28 fevereiro 2015

DEBATE IMPRESCINDÍVEL

O repórter da Veja que perseguiu
sobrinho de Lula



 , no Diário do Centro do Mundo
Péssimo exemplo: Campbell, da Veja
Péssimo exemplo: Campbell, da Veja
O Brasil precisa desesperadamente de novas regras para a mídia.
Vou repetir.
O Brasil precisa desesperadamente de novas regras para a mídia.
O episódio em que um repórter da Veja usou nomes falsos para tentar se aproximar de um sobrinho de Lula é uma extraordinária demonstração de que é vital definir, logo, o que um repórter pode e, sobretudo, o que não pode fazer.
O jornalista já cometera uma monstruosidade — noticiara uma festa milionária de um sobrinho de Lula em Brasília. Lula não tem sobrinho em Brasília, logo se soube. O repórter, não contente com a estupidez que cometera, se lançou a uma louca cavalgada. Foi atrás de um sobrinho de Lula em Sorocaba, como se tivesse um direito divino a invadir a privacidade alheia.
A Inglaterra está passando por um debate imprescindível ao Brasil.
No caso inglês, o que levou à conclusão de que as velhas normas não mais serviam foi a descoberta de que jornalistas de um tabloide de Murdoch invadiram em busca de furos a caixa postal de uma garotinha que fora sequestrada.
A menina, afinal, foi assassinada, mas o jornal morreu com ela. Dias depois que se soube do método monstruoso do tabloide, Murdoch não teve outra ação que não fosse fechá-lo.
Os ingleses chegaram à conclusão de que a auto-regulamentação da imprensa não funcionara, e passaram a discutir novas formas de fiscalizá-la.
O basta foi dado num país como a Inglaterra, em que a Justiça não é complacente com a mídia.
Você pode imaginar o que acontece no Brasil, onde os tribunais costumam ser favoráveis, qualquer que seja a situação, às grandes empresas de jornalismo.
Dilma reduz o problema quando defende a regulação econômica da mídia. É claro que isso tem que ser feito. Há que coibir monopólios e oligopólios, como em qualquer atividade econômica, ou a competição é prejudicada e a sociedade sofre as consequências.
Mas isto é apenas parte do drama. Também os métodos têm que ser revistos, como na Inglaterra e, a rigor, em qualquer país civilizado.
A leniência em relação à mídia dá em situações intoleráveis como esta em que um repórter da Veja se julgou no direito de promover um cerco a um adolescente.
Num mundo menos imperfeito, a opinião pública se insurgiria contra esse barbarismo jornalístico.
Mas vivemos num país em que, até a chegada da internet e com ela uma pluralidade de vozes, a opinião pública era manipulada por um punhado de coronéis da mídia – Marinhos, Frias, Civitas, Mesquitas e vamos parando.
É este coronelato que comanda a resistência cínica à modernização das relações entre a imprensa e os cidadãos.
O argumento central, amplamente repetido pelos analfabetos políticos que são um alvo fácil dos coronéis, é que se trata de censura.
Ora, quem acredita nisso, como disse Wellington, acredita em tudo.
Sequer os coronéis podem acreditar numa mistificação dessas.
No Brasil, a mídia se comporta como um poder à parte, diante do qual todos os demais poderes tremem vergonhosamente.
Alguém ganha com isso: os coronéis, não por coincidência donos de algumas das maiores fortunas do país e do mundo.
E alguém perde com isso – o Brasil.
Não é possível que o interesse da mídia vá sempre predominar sobre o interesse público.
Para que o Brasil seja um país socialmente avançado, o interesse público terá que se sobrepor ao de meia dúzia de famílias
 
 
 

O PAPEL DA MÍDIA TRADICIONAL

O fim da política


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



O olhar sobre o cotidiano da imprensa no Brasil, por meio da qual o cidadão pode acompanhar o desempenho de suas representações institucionais, tende a esconder uma realidade espantosa: a extinção da política. Esse fenômeno alcança outros campos que compõem tradicionalmente o chamado espaço público, como a cultura, a economia, a religião e outras formas pelas quais os indivíduos se interligam em comunidades no mundo contemporâneo.
O ambiente midiático nacional se oferece como um imenso laboratório para teses sobre a relação entre a sociedade e seus símbolos. Os perfis ideológicos são substituídos pelas pesquisas de opinião sobre cada tema da agenda pública.
Uma das hipóteses que podem ser facilmente constatadas é a de que a realidade foi substituída por simulacros, no sentido que o filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007) deu ao termo: praticamente tudo que compõe o noticiário e as opiniões veiculadas pela mídia tradicional são cópias de elementos que não existem mais na realidade.
A política, por exemplo, desapareceu completamente de seu habitat natural – os corredores do Congresso Nacional, as sedes de entidades republicanas e suas projeções no território comunicacional continuam lá, mas lá já não se faz política. Em seu lugar se desenvolve um jogo com características de um comércio que simula a realidade das negociações de poder. O Estado, cujo controle representava o objeto final desse jogo, passou a ser um meio pelo qual os protagonistas buscam um novo objetivo: o de ganhar o poder de permanecer no poder.
Nesse universo-simulacro, também a cultura, a religião, a economia, assim como a sexualidade, a individualidade e as autonomias, são substituídas por símbolos e signos que formam uma realidade paralela, distanciando cada vez mais o ser humano da vida real. Tudo se transformou num programa de “realidade virtual”, e o que a mídia nos apresenta é esse conjunto que se tenta passar por real.
O tema abrange toda a complexidade da vida cotidiana, por isso temos que restringir nossa observação, por enquanto, ao campo da política. Já analisamos simulacros da economia e poderemos observar também simulacros da cultura, da religião e de outros aspectos da vida comum.
A dança das siglas
Os partidos jogam para a imprensa, que faz o agenciamento da opinião pública. Eventualmente, uma ou outra dessas agremiações, criadas sem o respaldo de um programa capaz de sensibilizar grandes contingentes de eleitores, perde o volume de apoios necessário para se manter no jogo. O que fazem seus controladores? Criam nova sigla, adaptando-se ao que lhes parece ser um nome com mais potencial para arregimentar agentes capazes de conquistar correligionários.
No fundo, o sistema funciona como um grande esquema de pirâmide, que periodicamente precisa quebrar aqui e ali, deixando muitos protagonistas sem teto. Os mais espertos se movem rapidamente para a casa mais próxima, de preferência uma que possua em sua sigla a letra que combina com seus posicionamentos anteriores.
A legislação favorece escancaradamente a criação de partidos por quem já está no jogo, e dificulta o surgimento de agremiações com origem mais autêntica na própria sociedade. O caso da Rede Sustentabilidade, projeto da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva, é típico: formulado no seio do movimento ambientalista, que evoluiu para um conceito mais amplo de sistema que inclui a busca da sustentabilidade econômica e social, além da ambiental, o sonho de Marina Silva foi contaminado pelo pragmatismo dos partidos que participam do simulacro de política. O que se viu foi uma candidata idealista emaranhada em contradições e apanhada em posicionamentos conservadores que decepcionaram muitos de seus apoiadores.
E o que a imprensa tem com isso?
O papel da mídia tradicional é fundamental nesse processo, porque é no ecossistema midiático que se constrói esse simulacro e é a imprensa que conduz o jogo. Esse processo evolui na medida em que corrompe as bases do sistema representativo, até o ponto em que a mídia substitui a sociedade e os partidos passam a ser tributários do sistema da comunicação.
Ao contrário do que nos faz crer, o sistema da imprensa não interpreta a realidade – ele cria um simulacro, que se torna verossímil porque seus signos fazem sentido. Quem sonha em representar a sociedade – ou uma parcela significativa dela – precisa ter coragem de romper essa dependência, comunicar-se diretamente com o público e esquecer a imprensa.
 
 
 

REAÇÃO

Alienígenas à vista


Maurício Dias, na Revista CartaCapital



Há uma forte reação em movimento para conter a sede de vingança política, inoculada na oposição e sustentada pela mídia, com o objetivo de, ao fim e ao cabo, atingir a presidenta Dilma Rousseff. Em razão disso, os oposicionistas mantidos por falso sentimento de reação à corrupção brasileira, essa nossa velha conhecida, estão dispostos a sacrificar o que for preciso. Inclusive, a democracia.
Punir corruptos e corruptores fará bem ao País. Para isso, no entanto, não é preciso provocar milhares de desempregados e jogar fora todo o conhecimento de tecnologia produzido pelas empresas brasileiras e seus funcionários, ao longo de mais de meio século.
Não é preciso estar enrolado na bandeira nacional para perceber que, sem as empresas brasileiras, acorrerão para cá poderosos grupos estrangeiros “expulsos” daqui pela competição legítima. Nos anos 1950, quando as empreiteiras emergiram, a engenharia internacional ocupava esse espaço. Despontou, então, naquele momento o que foi chamado de “Império das Empreiteiras” embaladas, entre outras atividades, pela criação e afirmação da Petrobras.

“A chamada Operação Lava Jato (...) desencadeou um processo político que coloca em risco conquistas da nossa soberania e a própria democracia.”
“ (...) há uma campanha para esvaziar a Petrobras, a única das grandes empresas de petróleo a ter reservas e produção continuamente aumentadas. Além disso, vem a proposta de entregar o pré-sal às empresas estrangeiras, restabelecendo o regime de concessão, alterado pelo atual regime de partilha, que dá à Petrobras o monopólio do conhecimento da exploração e produção de petróleo em águas ultraprofundas.”
Esses dois trechos apontam para o que “está em jogo”.
O documento, em circulação pelas redes sociais, ignorado pela imprensa conservadora, é assinado, entre outros, por Celso Amorim, dom Demétrio Valentini, Fábio Konder Comparato e João Pedro Stedile.
Os argumentos favoráveis à sobrevivência das empresas citadas na Operação Lava Jato foram sustentados, primeiramente, pela presidenta Dilma Rousseff. A ideia propagou-se. Lula também se jogou na história.

Surge agora, no Rio de Janeiro, o movimento “Aliança pelo Brasil”, já com ramificações em São Paulo e Belo Horizonte. Além de diversas organizações sociais, tem apoio da maioria das centrais sindicais, com projeto de mobilizar a população “em defesa da Petrobras, da política do petróleo e do Estado social-desenvolvimentista”.
Caso haja fôlego, vão botar o bloco na rua.
Essa aliança apresenta-se como representante de 500 mil trabalhadores “com o emprego em risco como consequência da crise na Petrobras”. Para os organizadores já há “milhares de demissões” nas empreiteiras com contratos “de construção ou de prestação de serviços” na estatal.
A aliança também apoia as investigações e os processos contra os supostos corruptos e corruptores que, “comprovadamente”, participaram de ações criminosas. E faz um alerta: “A empresa é um instrumento de organização do processo produtivo; é um meio para produzir bens e serviços, não um fim em si mesma”.
Decretar o fim dessas empresas atinge e abala os projetos da Petrobras.
 
 
 

26 fevereiro 2015

BASTA!

A espiral da intolerância


Ricardo Kotscho



– O senhor é o ex-ministro da Dilma?
– Sim, sou eu.
Foi o que bastou para tivesse início, na lanchonete do Hospital Israelita Albert Einstein, junto à recepção, o ataque ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, um dos mais sórdidos episódios de intolerância política da nossa história recente.
Meu velho amigo Guido, de família judaica, estava acompanhando sua mulher, Eliane Berger Mantega, que vem fazendo naquele hospital de excelência longo e sofrido tratamento contra um câncer. Assim que foi identificado, como se fosse um judeu na Alemanha de Adolf Hitler ou um comunista no Brasil dos generais, começaram as agressões, com gritos histéricos.
– Vai pro SUS!
– Safado!
_ Vai pra Cuba!
– Filho da puta!
O fato aconteceu na tarde do último dia 19/2, mas só se tornou público na terça-feira (24), com a divulgação de um vídeo no Facebook mostrando o constrangimento do ex-ministro, que foi obrigado a se retirar do Einstein. O responsável pela postagem, segundo o site “Redação Pragmatismo”, ainda conclamou os internautas a perseguirem petistas e simpatizantes do partido nas ruas.
Assista ao vídeo aqui.
Não foi certamente a primeira vez que um ministro do PT se tornou alvo da espiral de intolerância que assola o País desde o segundo turno da campanha presidencial. O próprio Guido já havia sido hostilizado por frequentadores do bar Astor, na Vila Madalena, no dia 20 de dezembro, quando ainda estava no governo. Poucas semanas atrás, o ministro da Defesa, Jaques Wagner, foi obrigado a se retirar de um restaurante no bairro dos Jardins para evitar um confronto maior, após ser ofendido por finórios representantes da elite paulistana.
Está se tornando algo normal, sem despertar nenhum interesse da chamada grande mídia familiar, como se fizesse parte da paisagem, atacar adversários políticos para impedir sua presença no mesmo ambiente frequentado pelos tucanos derrotados em outubro.
Nesses redutos, é perigoso até alguém declarar publicamente que votou no PT. No dia da votação do segundo turno, poucas semanas antes da sua morte, o ex-ministro Márcio Thomas Bastos foi interpelado por um ex-cliente no Clube Pinheiros:
– Que bonito, hein, doutor Márcio? O senhor apoiando o PT, votando na Dilma! Não tem vergonha?
Com sua habitual fleuma, o ex-ministro deu um chega pra lá no cidadão:
– Não, eu não tive vergonha de ser teu advogado e te defender naquele processo...
Um basta
Até o momento em que comecei a escrever, a única reação que encontrei contra essa barbaridade inimaginável num país democrático e civilizado partiu da jornalista Barbara Gancia, que enviou uma dura carta ao presidente da Sociedade Israelita Albert Einstein, Claudio Lottenberg, nos seguintes termos:
“Caro senhor doutor presidente:
1) Já foram identificados os indivíduos que hostilizaram o ex-ministro Mantega e sua mulher, que foi ao hospital na terça-feira para ser submetida a um tratamento contra o câncer?
2) Que providências os senhores estão tomando, foi registrado Boletim de Ocorrência?
3) A direção do hospital está ciente de que, caso este comportamento brutal for tolerado e nenhuma medida tiver sido tomada contra quem a praticou, isto irá significar que a Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein compactua com a irresponsabilidade, a escalada da violência e o desrespeito à ordem pública?
4) O senhor entende, Dr. Cláudio, que o Einstein não pode consentir, porque isso significa que ele se colocará ao lado dos inconsequentes que querem ver o circo pegar fogo sem medir as consequências para as instituições?”
Quando a estúpida agressão a Guido e à sua mulher se tornou pública, a direção do hospital se limitou a divulgar uma burocrática nota oficial em que declara que “recebe igualmente a todos, pacientes ou não, rechaça qualquer atitude de intolerância e lamenta o ocorrido em seu ambiente”. A nota não indica nenhuma providência que o hospital pretenda adotar, mas seus assessores informaram não ter identificado nenhum médico ou enfermeiro do hospital envolvido no episódio.
É intolerável conviver por mais tempo com esses atos de intolerância. Está na hora de darmos um basta.
A vida não pode seguir assim.
***
Ricardo Kotscho é jornalista
 
(Extraído do OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA)
 
 

A MISTURA ENTRE POLÍTICA E ECONOMIA

O fim da economia


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa




Se o país tem uma safra recorde de grãos, isso é bom ou ruim? Se há oferta excessiva de grãos, é uma boa nova ou má notícia?
Pela lei da oferta e da procura, uma safra recorde pode expandir as vendas internas e a exportação, mas tende a pressionar os preços para baixo, certo? Não de acordo com a imprensa brasileira: no noticiário fragmentado da mídia tradicional, uma coisa é uma coisa e outra coisa pode ser a mesma coisa.
Até meados de 2013, foram muitos os artigos de especialistas defendendo o aumento dos juros e a desvalorização do real, como forma de atrair investidores ao mercado de ações e títulos, embora o país colecionasse ganhos expressivos na atração de investimento estrangeiro direto, aquele dinheiro que vai para aquisições de empresas e parcerias produtivas.
A partir do segundo semestre de 2014, quando os juros subiram a níveis elevados, a imprensa alerta para o risco dessa escalada para os setores que dependem da importação de máquinas e insumos.
Qual é a verdade da mídia? A de 2013 ou a de 2015?
O leitor típico da mídia genérica, que acredita em grande medida em tudo que lê ou assiste no noticiário da TV ou do rádio, é lançado num labirinto e se sente inseguro.
O que pensar de uma sucessão de eventos contraditórios, quando lançados ao público sem a devida contextualização, quando a preocupação básica do indivíduo é saber se sua receita continuará sendo suficiente para cobrir os gastos domésticos e, se possível, deixar uma sobra para a poupança?
O público da mídia especializada, que busca no noticiário aquilo que atende a seus interesses mais importantes, também tem necessidades genéricas; portanto, as contradições do noticiário econômico, publicadas de maneira dispersa pela imprensa, hão de produzir a mesma angústia.
Aqueles que dependem da análise de indicadores para tomar decisões importantes têm à disposição os boletins de corretoras, consultorias, bancos e, em último caso, o acesso às fontes primárias dos números.
Para que serve, então, o noticiário econômico?
No caso da mídia tradicional do Brasil, serve para produzir uma pressão adicional no campo político, em defesa de uma política econômica que o núcleo decisório da imprensa considera mais adequado.
A vida monetizada
O leitor crítico de jornais e revistas – que costuma suspeitar do noticiário da televisão e da profusão de opiniões sobre economia que proliferam na imprensa – pode não ter uma noção clara de onde se originam suas desconfianças, mas deve se considerar um privilegiado, porque ainda é capaz de preservar alguma consciência da realidade. Mas ele também sofre as consequências da manipulação de dados em favor desta ou daquela doutrina econômica.
Nessa mistura entre política e economia, as relações econômicas foram transferidas do real para o campo das abstrações, e ainda que se diga que riquezas são construídas e destruídas na realidade, elas se transformaram em meras alegorias.
Qualquer pessoa alfabetizada pode olhar em volta e constatar que o sistema econômico se sustenta apenas em símbolos e que esses símbolos são facilmente manipuláveis. Por exemplo, o empresário Eike Batista é símbolo de sucesso ou de fracasso?
O que os jornais e os noticiários – especializados ou genéricos – apresentam diariamente sobre os fatos econômicos, os indicadores, bem como a interpretação e a valoração de tudo que se produz, está carregado de fabulações. Claro que a dificuldade de um trabalhador que não recebe salários a cada mês é uma realidade insofismável, assim como a contabilidade negativa de um empreendedor que não tem lucros. Mas, o que é mesmo o salário? O que é o lucro?
As críticas a esta ou aquela estratégia econômica, fundamentadas nesse conjunto de signos, têm o poder de influenciar decisões e alterar a realidade subjacente a esse universo simulacro, ainda que sejam baseadas em meras convenções.
Assistimos ao processo avassalador da monetização de tudo, e com essa obsessão os operadores do ambiente midiático passaram a ignorar o conflito histórico entre capital e trabalho, assumindo como dogma que tudo gira em torno do valor financeiro.
O noticiário econômico se apresenta inicialmente como reflexo da realidade econômica, ou seja, como representação fiel de seus múltiplos aspectos por meio do conjunto de indicadores. Em seguida, mascara a realidade como um espelho de fragmentos; consolida-se, então, como uma representação da realidade e, finalmente, impõe-se sobre a sociedade como se fosse a própria economia, em toda sua grandiosa complexidade.
Mas é apenas um simulacro. 
 
 
 

IMPORTAR-SE DÁ CÂNCER

O filme que está passando não
empolga. Devia.

Alberto Dines, no Observatório da Imprensa



Nos telões de TV, também nas telinhas de celulares e tablets, nos blogs e portais da rede, nos monitores dos computadores, no Facebook, no YouTube, nos noticiosos das rádios e na capa dos lânguidos jornais em berço esplêndido: o filme está em todas, mas não arrebata.
Cenas rápidas, impactantes, sequências vertiginosas, roteiro alucinante, esta produção não está sendo assimilada suficientemente. Nas cenas de horror todos morrem de rir, o que se pretendia como comédia é trágico e os momentos edificantes, rigorosamente demolidores.
Que filme é este? Um blockbuster com todos os recursos tecnológicos, escrito pelos melhores roteiristas, celebridades às pencas, anunciado como imperdível e, no entanto, anódino. O que está passando nas telas não é bem um filme, mas um extenso seriado, mais comprido do que a Novela das Nove ou a Muralha da China. Original (mais do queBoyhood), bem concebido e encenado. O único defeito é o título. São muitos: alguns o chamam “A Marcha do Tempo”, outros preferem “O show deve continuar”, “A força do destino”, “A Última Guerra”, “Crepúsculo dos Deuses”, “Tempos Modernos”, “Primeira Página”, “Rebeldes sem causa”, “Abutres”, “Revolução Traída”, “Todos os Leviatãs se parecem”, “Pequenos ditadores”, etc etc. O melhor, “A incrível história do mundo que encolheu”, foi embargado pelos produtores: negativo, pessimista, ninguém o assistiria.
É o filme dos filmes, em HD, 3D, cores exuberantes, trilha sonora sublime, nós no elenco e, atrás das câmeras, o autoengano levado à enésima potência. Não obstante, condenado eternamente à condição de sem-Oscar. O enredo deveria ser apaixonante, porém, nenhum dos três jornalões de terça-feira (24/2) conseguiu reproduzi-lo ou, pelo menos, oferecer um esboço: as 34 páginas do Globo, as 46 do Estadão e as 32 da Folha não conseguiram captar o inglório e acabrunhante épico nem a sublime tragicomédia da vida cotidiana que protagonizamos com tanto empenho.
Uma nova sessão de estupidez
Setenta anos depois do fim da 2ª Guerra Mundial, a Europa está novamente de uniforme e armas engatilhadas preparando-se para nova sessão de estupidez com a recém-nascida Ucrânia e sua velha vocação reacionária no papel de pivô. Sete décadas depois de extinto, o nazi-fascismo reaparece com força total falando húngaro, alemão, russo, ucraniano, francês, inglês, árabe e até hebraico.
Cerca de 80 anos depois dos sangrentos “Processos de Moscou” e 75 depois do assassinato de Leon Trotsky, as sobras do monolítico império bolchevique estão sendo partilhadas por notáveis figuras do calibre de Nicolas Maduro, Cristina Kirchner, Kim Jong-un e Vladimir Putin (que acaba de receber uma cantada pública da ultradireitista francesa Marine Le Pen – Veja, edição 2414, Páginas Amarelas). Aliás, os dois compõem um par perfeito, um tórrido romance entre o caudilho russo e a candidata do caudilhismo francês daria ao filme uma picardia insuperável.
A nova guerra mundial (3ª ou 4ª ?) já está em curso desde 2001 – difusa, móvel, imprevisível, com armas de destruição em massa impensáveis. Deuses, profetas e fanatismo – nenhum míssil ou bomba os supera em matéria de letalidade. A guerra está instalada na África Ocidental, Magreb, Oriente Próximo e Médio, Ásia Menor e Central. Mas outras guerras, surdas, atrás das linhas de frente, estão sendo ativadas rapidamente. A Guerra Total foi substituída pela Guerra Permanente e, mesmo assim, este filmão não impressiona. Não mexe com a plateia.
Depois do horror do Holocausto europeu, do impiedoso apartheid sul-africano e do racismo contra afrodescendentes tanto no Velho como no Novo Mundo, os preconceitos e a xenofobia voltaram incólumes e até mais agressivos graças à potente combinação com o patriotismo. As vitórias e o prestígio intelectual de Nelson Mandela e Barack Obama não conseguiram esvaziar o rancor arcaico e selvagem da diferenciação entre humanos.
Energúmenos são fabricados com incrível velocidade e isso não parece impressionar as audiências. Acostumaram-se. Nesta exuberante América Latina, utopias continuam destroçadas pelas distopias, libertários transformam-se rapidamente em autoritários, ideologias redentoras do século XIX já no século XXI estão transformadas em manuais de opressão. A suposta Era da Informação e da Transparência produziu mecanismos insuperáveis de desinformação e impunidade. As indústrias do roubo e do crime organizado não produzem estatísticas, não entram no PIB, caso contrário bateríamos a China. Corrupção é assunto batido, multipartidário, universal, todos a praticam, não existe decência – isso talvez explique o desinteresse pelas inumeráveis sequências de assalto ao erário.
Importar-se dá câncer
Com tanta palpitação, suspense, variedade, tantas cenas de amor e desamor este filme não empolga. Ou empolga apenas um bando de idosos exigentes. Nas plateias, as pessoas ruminam barricas de pipocas e mantêm-se abúlicas. Adoram ir levando, faz bem à alma.
Estas insignificâncias conseguiram emergir no noticiário dos últimos dias: o presidente da OAB meteu a mão em dinheiro que não lhe era devido enquanto defende os advogados como agentes da Justiça e um juiz manda apreender carros de luxo de um réu-milionário e sai pilotando um deles para exibir o poder da justiça.
O filme que está passando nas telas deveria espantar, sacudir, incomodar ou revoltar. Hoje em dia nada surpreende, angustia, aflige ou atormenta. Importar-se dá câncer. Serenados por um contagiante déjà vu pairamos em estado de graça. Ao nível do mar, sem incensos, alcançamos o nirvana e uma beatitude só possíveis em longas meditações nas montanhas perto dos céus.
Algo misterioso, insólito, deve estar ocorrendo na cabine de projeção. Trocaram o filme? Então parem as máquinas, esta superprodução não foi feita para passar despercebida. Cortem mais algumas cabeças na equipe para que os sobreviventes tornem-se mais criativos e façam deste longa o espelho do nosso tempo. Será um sucesso.
 
 
 

DILMA NÃO É ALLENDE

Caminhoneiros: um sinal de alarme
ignorado pela imprensa


Carlos Castilho, no Observatório da Imprensa



O governo de Salvador Allende começou a cair, em 1973, quando os caminhoneiros chilenos iniciaram uma greve reivindicatória que acabou se transformando num movimento político que colocou a classe média do país contra o primeiro presidente socialista eleito nas urnas.
Quem cobriu aquele protesto, ocorrido há 41 anos, inevitavelmente associa a greve chilena com a brasileira atual e sente um frio na espinha porque os desdobramentos apontam na direção de uma crise institucional de consequências imprevisíveis. Allende sabia que seu destino já estava traçado muito antes de um golpe militar do qual a maioria dos chilenos se arrepende até hoje. 
A greve dos caminhoneiros paralisou o abastecimento da população e o funcionamento da indústria, estrangulando a jugular da economia do país. A imprensa chilena da época, radicalizada política e ideologicamente, cobriu apenas o factual do protesto, deixando de lado as causas e principalmente as consequências do movimento. A desconstrução do governo Allende deu origem a um golpe militar que se transformou num capítulo trágico na história do país.
Tanto em 1973, no Chile, como agora no Brasil o protesto dos caminhoneiros não tem uma estrutura sindical e nem um comando central visíveis. Ele assume a forma de uma guerrilha rodoviária onde há apenas indícios de um comando centralizado porque há coordenação dos bloqueios de estradas. Se tudo ficasse apenas nas mãos dos motoristas, o movimento não mostraria tanta eficiência.
Os principais jornais brasileiros até agora não foram mais fundo nas origens e estrutura do protesto, o que revela uma decisão editorial e política que tem inevitáveis desdobramentos. O principal deles é ampliação do clima de incerteza na população e nos segmentos empresariais. Uma incerteza que vem crescendo desde as eleições do ano passado e que pode chegar a um ponto crítico se a greve dos caminhoneiros provocar a falta de alimentos, combustíveis e produtos essenciais (como remédios, por exemplo) nas principais capitais brasileiras.
Isso aconteceu no Chile em 1973 e levou, na época, a população do país a um estado de perplexidade quase catatônica que neutralizou preventivamente qualquer tipo de resistência a uma ruptura institucional. Este tipo de alerta não está sendo veiculado pela imprensa, o que deixa o público sem uma noção exata dos riscos a que ele poderá estar sujeito. Um dos papéis-chave da imprensa em situações de pré-crise é fornecer à população elementos para que ela avalie como lidar com o um possível desabastecimento alimentar, com a paralisação dos transportes públicos e privados, e o aumento da insegurança pessoal.
O que estamos assistindo agora aqui no Brasil é um paulatino agravamento das tensões que geram irritação progressiva e perda de controle emocional e político. Protestos podem rapidamente degenerar em pancadaria, depredações e vítimas pessoais por conta do clima de polarização e radicalização de posicionamentos político-ideológicos.
Ao não tratar estes temas como uma preocupação pública, a imprensa está brincando com fogo. A omissão informativa pode ser coerente com a oposição ao governo Dilma Rousseff, mas qualquer analista político ou sociológico sabe que o risco de descontrole cresce na medida em que a governabilidade é transformada em arma na luta pelo poder.
 
 

21 fevereiro 2015

IMPARCIAL E ISENTO SÓ NO DICIONÁRIO

As duas faces de Moro

Maurício Dias, na Revista CartaCapital




Imparcial e isento são verbetes fáceis de ser encontrados em qualquer dicionário da língua portuguesa. Impossível é encontrar qualquer ser humano capaz de alcançar tais virtudes. Ela foi, todavia, usada às escâncaras nos últimos meses para brindar o juiz Sergio Moro, titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba, no Paraná, comandante da Operação Lava Jato, deflagrada em março de 2014 pela Polícia e Ministério Público federais.
Moro promoveu um fato inédito no País ao mandar para a cadeia, em grande quantidade, gente influente e de dinheiro. Todos supostamente corruptos ou corruptores, enriquecidos com ilícitos em torno da Petrobras. Uma decisão elogiável. Em torno da decisão do magistrado, à semelhança do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, durante o julgamento do chamado “mensalão”, a ingenuidade e a malícia política fizeram brotar a esperança de ter sido resgatada a moralidade no Brasil. Aparentemente, surgira um magistrado preocupado unicamente em fazer justiça.
Doa a quem doer, era o que se podia traduzir de suas ações iniciais. Esse é um lado da moeda. Há o outro.
Não há mesmo neutralidade em nenhum ato humano. Assim, aos poucos, o jovem magistrado, 43 anos, já famoso, saiu da trilha judicial. Moro tem direito a pensar politicamente como quiser. Está impedido, porém, de contaminar as decisões profissionais com cores partidárias. Tirada a máscara, despontou um militante antipetista. A militância interferiu em várias decisões judiciais dele.
A mais recente foi o ataque ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Recebeu alguns advogados dos acusados da Operação Lava Jato. Para Moro, houve tentativa indevida das empreiteiras “de obter uma interferência política em seu favor no processo judicial”. Embora o ministro tenha feito uma trapalhada, ao esconder da agenda de trabalho a audiência aos advogados, fica claro que o juiz Sergio Moro fez outra.

Antes disso, o juiz fechou os olhos para um fato relevante. Um dos acusados, Pedro Barusco, no papel de delator, contou no depoimento que, como gerente-executivo da Petrobras, tinha recebido a primeira propina em 1997. Portanto, durante o governo de FHC. Isso foi sepultado pelos agentes policiais, pelos promotores e, por fim, pelo magistrado.
Eles, curiosamente, esqueceram. Da primeira propina, porém, os corruptos nunca esquecem. Não há espaço para falar dos vazamentos seletivos do processo, liberados em Curitiba. A mídia se esbalda. Há um grande painel dessas irregularidades que transformam suposições em fatos consumados e dão à delação premiada o caráter de fé pública. Curiosamente Moro deixou escapar um alerta. Ele próprio avisa: “As delações ainda carecem de provas”, mas contemporizou: “Elas estão parcialmente amparadas”. Uma contradição? Talvez “mea-culpa?” Qual o valor de provas “parcialmente amparadas”?
Do STF foi lançada a primeira indicação sobre os descuidos do magistrado. Tomou posição pública o irrequieto ministro Marco Aurélio Mello, após dizer que acompanhava “com incredulidade” as notícias da Operação Lava Jato. “No Brasil, exceção virou regra: prende-se para depois apurar.” Mello destacou a “condução coercitiva” de João Vaccari, tesoureiro do PT, que resistiu à convocação, mas não se recusou a depor. Contra isso, invocou a ironia: “A criatividade humana é incrível... eu nunca tinha visto nada parecido. E as regras continuam as mesmas”.
 
 
 

20 fevereiro 2015

O QUE É OU NÃO RELEVANTE

O triunfo da banalidade


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



A imprensa brasileira retoma na sexta-feira (20/2) seus temas prediletos, na prática consagrada de atuar como força política acima dos partidos e das instituições. Mas não pode abandonar completamente a agenda da folia, porque o carnaval só acaba na madrugada de domingo, após o desfile das campeãs. Paralelamente, em algumas cidades os foliões empurraram o calendário católico e invadiram parte da Quaresma com seus blocos anárquicos.
Essa mistura de pautas, na qual os jornais balançam entre um cauteloso apoio ao ministro da Fazenda e a condenação explícita da presidente da República, e ao mesmo tempo precisam dar um ar de seriedade ao que é pura folia, traz à tona uma característica pouco observada do ambiente midiatizado: o triunfo da banalidade.
O peso igualitário entre os temas que fazem o material cotidiano da mídia é definido, na televisão e no rádio, pelo tom de voz e pelas expressões dos apresentadores, não pelo conteúdo.
Se tudo que merece a cobertura da imprensa é relevante, nada é essencial e tudo é banalidade. Por exemplo, a questão, levantada na quarta-feira de cinzas, sobre se as mulheres que desfilam como destaques nas escolas de samba usam artifícios para esconder o que se considera imperfeições em suas medidas corporais, não pode ser considerada banal, se os jornais investem nesse assunto o tempo de seus repórteres e o suporte de papel ou bytes necessário para torná-lo público. Por outro lado, o noticiário considerado sério, como a crônica da política e as informações sobre economia e negócios, é contaminado por uma metalinguagem que esconde a intencionalidade das edições.
Existe sempre um pressuposto que define a priori os protagonistas de cada notícia, e que funciona como uma tela de fundo para tudo que sai na imprensa. Mas há momentos em que o discurso hegemônico da mídia precisa sondar determinados atores antes de fixar em sua testa a etiqueta: adversário ou aliado. É o caso, por exemplo, do novo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que num dia aparece como condutor de um processo de resgate da autonomia do Legislativo, e no dia seguinte é apresentado como líder de uma corrente fundamentalista da bancada religiosa, empenhado em fazer retroagir a agenda dos direitos humanos.
A “agenda positiva”
Já a presidente da República, identificada como inimiga a ser eliminada do campo político, pode-se dizer que chegou a gozar de algum beneplácito da imprensa, no começo de seu primeiro mandato, quando promoveu o que os jornalistas chamaram de “faxina moral”, por conta das denúncias de corrupção que atingiram alguns de seus ministros e auxiliares. Mas, no presente momento, os jornais tratam de vincular sua figura ao escândalo que atinge a Petrobras, embora seu nome não tenha aparecido, até aqui, nas notas que vazam das investigações.
De vez em quando, um ou outro jornal coloca suas lentes em iniciativas do Palácio do Planalto e considera que tal ou qual medida tem o objetivo de criar uma “agenda positiva” que se contraponha à enxurrada de notícias deletérias que sitia a presidente da República. O mais recente desses episódios foi o programa que pretende reduzir a burocracia para as pequenas empresas, e que será oficialmente lançado na semana que vem.
O projeto foi coordenado pelo ministro Guilherme Afif Domingos, que nem de longe representa o núcleo ideológico da aliança que apoia a presidente, e que, colocado à frente da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, faz uma ponte entre o governo e o ambiente de negócios.
Ao carimbar a iniciativa como “uma ação de marketing”, a imprensa procura desqualificar o programa, ainda antes que seus detalhes sejam anunciados. Assim, o que pode ser um conjunto de medidas há muito reivindicado pelos empreendedores, acaba na vala comum da politicagem, porque o editor assim o deseja.
Avessa a aparições na mídia, a presidente da República paga o preço por falar ou por calar. Se cala, é porque seu governo não tem transparência. Se fala, é porque precisa criar uma “agenda positiva” para se contrapor ao escândalo da Petrobras e aos indicadores que revelam dificuldades nas contas públicas.
A exposição constante ao noticiário pode induzir o leitor crítico a concluir que nada disso é importante e que a banalidade, afinal, triunfou.