31 dezembro 2013

VOTOS DE ANO NOVO

Um feliz 2014 para todos nós!
A felicidade completa depende
da reeleição da presidenta Dilma. 
Vamos à luta! 






Dilma: comparar para medir

 
 
Autor: Fernando Brito
tv
Nunca me saiu da cabeça uma lição de Malba Tahan, lida na pré-adolescência.
É quando Beremiz Samir, O Homem que Calculava,  inicia o seu desafio de ensinar matemática à princesa Telassim, através de uma pesada cortina, sem poder vê-la ou ser visto.
“Medir, senhora, é comparar”.
Creio que Dilma, ontem, em sua fala em rede de TV, usou este sábio ensinamento.
O que mais fica, em minha opinião, de sua fala, é isso.
Assim como será esta a questão essencial em 2014.
Para onde queremos para o Brasil vá?
Ou se queremos que o Brasil volte.
Nestes dias, talvez você tenha reparado, andei postando menos.
Estava viajando e rodei um bom pedaço do Brasil, de carro.
Brasília, Goiás, Mato Grosso, imensidões.
Vi pouco abandono, vi obras por toda a parte.
Há dez anos, fiz uma viagem semelhante.
E só vi abandono.
Eu julgo com meus olhos, como todas as pessoas.
Vejo a minha linda Baía da Guanabara fervilhando de barcos e recordo de uma velha carcaça de navio, o “Toro”, que observei durante anos se desmanchar na boca do porto de Niterói.
O Brasil que eu vejo não é o que está escrito nos jornais.
É o que eu vejo e posso comparar com o que vi.
E é talvez isso o essencial no debate eleitoral: comparar, para medir.
Não dizer o quando se fez, porque sempre se terá feito pouco, neste país que precisa de tanto.
Mas mostrar o que não se fez, quando precisávamos tanto.
Ontem, ao chegar, li num muro uma pichação com o símbolo anarquista: “não vai ter Copa”.
Deu vontade de encontrar o guri que fez aquilo.
E conversar com ele sobre o Brasil que eu vivi, no qual ele não viveu com idade para lembrar.
Do Brasil dos esqueletos, das ruínas, do mato crescendo em meio ao abandono.
Do país que não tinha jeito, que não tinha saída, do “povo indolente”, no qual era “inferior” ser brasileiro.
De como foi desgraçada uma juventude e,depois, a maturidade como as minhas, onde só tinha “não” para dizer.
Queria dizer a ele que sempre fui um inconformado, um indócil, um contestador não porque gostasse, mas porque não havia em que acreditar, o que construir, para onde ir.
De como era ruim viver num país onde só se podia amar a natureza e o passado.
E não se podia crer em um futuro.
Não quero acenar a ele com uma luz que ele não vê, porque não viu o breu.
Sei que, como escreveu Lupicinio, há o perigo de deixar o céu por escuro e ir ao inferno à procura de luz.
Vou encontrar este guri, durante a campanha, este ano.
Porque é o que de melhor tenho para dar a ele.
O que vivi e trago nos olhos e na memória.
Para que ele possa comparar e medir.
Este país, pobre, carente, rico e abundante, ao mesmo tempo está mudando.
Precisa e vai mudar mais ainda.
Mas, desde que me entendo por gente, pela primeira vez, tem um rumo.
E é ele que está em jogo.
 


GRAVIDADE

Hora de mandar o presidente da
Câmara para o espaço


Antônio Lassance, na Agência Carta Maior



Desde que o primeiro astronauta brasileiro se aposentou, já passou da hora de arranjarmos um substituto. Minha sugestão é o atual presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves. Ele já parece bastante treinado para a tarefa, na medida em que a noção de gravidade já não faz mais efeito sobre as coisas que faz e fala.

Na semana em que o Brasil se despedia de 2013, Alves fez um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV para falar do que a Câmara fez e do que pretende fazer em 2014.

Em seu pacote de Natal, Alves colocou como prioridade a sua reforma política.
Quem diria? Em ano eleitoral, com esforço concentrado e recesso prolongado para que os parlamentares façam campanha, Alves fez uma aposta ousadíssima. A reforma anunciada tem como pontos prioritários:

- O financiamento das campanhas;

- A reeleição do Executivo;

- O fim do voto obrigatório.

No pronunciamento, essas questões vieram empacotadas sob o slogan “o poder dos brasileiros”, possivelmente para aproveitar o período natalino, quando as pessoas ficam um pouco mais propensas a acreditar em Papai Noel.

O financiamento de campanha de Alves é a defesa intransigente e apaixonada de que os políticos continuem autorizados a receber grandes somas de dinheiro vindas de empresas.

Tanto Henrique Eduardo Alves quanto Renan Calheiros, outro que gosta de voar e também poderia ser posto na fila de nosso programa espacial, indignaram-se com o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) estar prestes a proibir o financiamento de empresas a campanhas políticas. Dos 11 ministros do Supremo,  quatro já encaminharam a favor da proibição. A decisão final do STF pode ter um grande impacto na sorte (ou azar) de muitos candidatos. Tomara.

 O tópico que pretende proibir a reeleição para cargos do Poder Executivo (presidente da República, governadores e prefeitos), deixa a pergunta no ar: e por que não para o Legislativo? A reeleição no Executivo é limitada a uma única vez consecutiva. Nem isso o Legislativo cogita para si próprio?

 Será que esse bloqueio mental do presidente da Câmara para uma proposta dessa natureza tem algo a ver com o fato de ser ele deputado federal há quatro décadas (desde 1971), ininterruptamente? Se houvesse limitação aos mandatos parlamentares, o grau de renovação congressual seria maior. Contribuiria em parte com o desejo de muitos brasileiros de mandar uma parte da política tradicional para outros planetas – nem que fosse por um intervalo de quatro anos.

 A defesa do voto facultativo virou o atalho pelo qual os políticos mais tradicionais querem transformar a revolta popular em apatia, trocando manifestação nas ruas por abstenção eleitoral.

Enfim, o fato é que vem aí um pacotão de reforma política, a ser levado a plenário entre março e abril de 2014. Prepare o seu coração. O pacotão preparado sob a batuta da pior presidência da Câmara desde Severino Cavalcante coloca a política na contramão do bom senso e tende a torná-la menos participativa e ainda mais dependente do poder do dinheiro do que já é.

A única defesa contra o rolo compressor que vem por aí depende de se levar a disputa na Câmara às últimas consequências. Significa manter a Casa, sob a presidência de Alves, como tem sido nos últimos meses, tal e qual uma mula empacada.

Dilma usou, para isso, o poder que a presidência da República tem de pedir urgência na tramitação parlamentar de projetos do Executivo. É o caso do projeto do marco civil da internet. Sem acordo, o projeto empaca as votações do Congresso. É ruim, pois questões importantes, a começar da própria regulamentação da internet no Brasil, ficam sem decisão. Mas é melhor do que projetos que piorem o que já não está bom. Até as eleições, a presidência vai ter que se virar mais com decretos do que com medidas provisórias e projetos de lei. A não ser para sinalizar sua agenda, mas deixando tudo para votar, com segurança, em 2015, com uma nova correlação de forças. Essa agenda também funcionaria como parte do próprio programa eleitoral de Dilma.

Sobre reforma política, uma grande responsabilidade recai sobre o PT, que é o maior partido da Câmara. O PT precisaria fazer maioria para derrotar a pauta-bomba de Alves ou, pelo menos, mobilizar outros partidos e rachar o PMDB para obstruir votações. Teria que começar enquadrando seus parlamentares, como Cândido Vaccarezza (PT-SP), que preside de bom grado a comissão que é a menina dos olhos do presidente da Câmara. De bem com Alves e às turras com o PT, Vaccarezza é justamente o encarregado de embrulhar o pacotão do presidente da Câmara .

Ou seja, o ano começa de cabeça para baixo. O PT, que tem no PMDB seu principal aliado e passou 2013 reclamando do STF, terá que derrotar o PMDB na Câmara, sem dó nem piedade, e defender o STF, com unhas e dentes, por fazer aquilo que o Legislativo se mostrou incapaz: colocar fim ao enrosco de gafieira em que se meteram os partidos e seus políticos, em seus ternos engomados, com as empreiteiras, os bancos e as grandes empresas concessionárias de serviço público, que usam minissaias convidativas, espartilhos cheios de dinheiro e desfilam  de salto alto pelos corredores e lobbies do poder.

(*) Antonio Lassance é doutor em Ciência Política.

O JUDICIÁRIO NA POLÍTICA

O LADO POLITICO DA JUDICALIZAÇÀO

Liminar contra IPTU foi terceira intervenção contra prerrogativa de Fernando Haddad

Paulo Moreira Leite, em seu blogue
 
No esforço para convencer os brasileiros de que o Poder Judiciário tem o direito de tomar decisões que o artigo 1 da Constituição reserva aos representantes eleitos pelo povo, nossos comentaristas e observadores tentam passar uma justificativa nobre.
 Dizem que a judicialização é um produto da omissão de nossos legisladores. A ideia é conhecida: já que nossos legisladores não cumprem  suas obrigações, a Justiça acaba sendo obrigada a intervir, bondosamente, até contra vontade, em defesa do cidadão.
 Procurando dar um aspecto épico ao comportamento do STF, o ministro  Luiz Roberto Barroso disse recentemente que, em determinados casos, o tribunal “empurra a história.”
A menos que estejamos diante de uma concepção determinista da história não custa lembrar que a evolução da humanidade pode ser empurrada para um  destino positivo, mas também pode ser conduzida para trevas e abismos. Em 1964, a história andou para trás, com uma mãozinha do STF, que se acomodou ao poder militar. 
 É curioso notar que se fala da omissão de nossos legisladores dias depois do país assistir a uma intervenção brutal da Justiça no debate sobre o aumento do IPTU em São Paulo.
 Joaquim Barbosa, presidente do STF, manteve uma liminar do Tribunal de Justiça que suspende o aumento do IPTU.
 Você pode dizer o que quiser desse IPTU. Pode xingar e pode elogiar. Pode achar que ele daria a Fernando Haddad os recursos de que ele necessita para encaminhar seu programa de gestão e que isso é ruim. Também pode achar que o novo IPTU vai revoltar a classe média e atrapalhar a votação  da Dilma Rousseff em São Paulo.
 Só não se pode afirmar que a Câmara de Vereadores foi omissa. A Câmara recebeu a proposta, debateu e aprovou. Se alguma coisa se fez, foi andar rápido nessa matéria.
 Suspender o aumento foi um ataque frontal a uma decisão inteiramente legítima.
O conteúdo social dessa decisão é uma caricatura da desigualdade brasileira.
Seria uma piada pronta, não fosse uma tragédia.
Na média, cada proprietário de imóvel teria um acréscimo de 50 centavos por dia no IPTU. Sabe aquela moedinha prateada que tanta gente procura no bolso para dar para aquela criança que estica o braço para dentro da janela quando o sinal estava fechado? Era isso, e apenas isso, salvo para aquelas pessoas que olham o mundo pelo olhar míope do impostômetro – numa atitude que os mais antigos chamariam  de egoísmo de quem perdeu até a alma.
 Os moradores de bairros e residências pobres, equivalentes a 14% do total, ficariam isentos.
 Considerando que o projeto nasceu na gestão de Fernando Haddad, eleito como 55% dos votos em 2012, não é difícil deduzir quem estava ao lado de quem neste debate.
 Principal liderança política da campanha contra o aumento, o presidente da FIESP, Paulo Skaf, foi o mesmo que em 2007 teve um papel fundamental no levantamento de recursos que permitiram a extinção da CPMF pelo senado, desfalcando a saúde pública de 20 bilhões de reais. Havia até um elemento questionável nessa decisão, já que a Constituição afirma que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Cabe ao Estado, portanto, encontrar meios para cumprir suas obrigações, o que só se pode fazer através de impostos e subsídios.
Mas o Senado, dominado por uma oposição interessada em quebrar as pernas do governo Lula, conseguiu ajuda de Skaf para tirar dinheiro da saúde pública.
 Foi desastroso do ponto de vista popular. Mas não foi “omisso,” correto? Pelo contrário: foi “explícito,” foi “ativo”, foi “claro.”
 Em proveito de quem meus caros?
 Ao assumir atribuições fora de sua competência, o Judiciário disputa poder junto a representantes eleitos, favorece soluções autoritárias, às costas do eleitor, que pode até aplaudir uma medida aqui, desgostar de outra mais adiante, apedrejar uma terceira  – sem compreender que está sendo destituído da palavra final sobre o destino da nação.
Veja o que aconteceu com os royalties do petróleo. O Congresso resolveu, por ampla maioria, que eles deveriam ser divididos de uma forma mais equitativa entre os estados brasileiros. Essa medida não agradou a uma fatia dos eleitores dos Estados que iriam perder receitas e foi combatida duramente pela TV Globo.
Até hoje uma decisão soberana do Congresso brasileiro encontra-se parada no STF. Omissão de quem?
O mesmo Tribunal de Justiça que privou a prefeitura paulistana de um recurso extra de R$ 800 milhões definiu um programa de creches detalhado, prazos que devem ser cumpridos, metas e assim por diante.  Alguém já se perguntou  o que nossos juízes pretendem fazer com Fernando Haddad – autoridade eleita pelos paulistanos para zelar pelos interesses da cidade – caso o programa de creches do TJ-SP não for cumprido?
 Em outro episódio, Haddad levou em frente um projeto de campanha e suspendeu o Controlar. O programa voltou, por decisão judicial.
 Prefeito da maior cidade do país, Haddad deve explicações a Justiça ou aos eleitores?
 Este é o ponto.
 
Como a maioria da população, tenho uma opinião bastante crítica sobre nossos legisladores. Muitos são menos preocupados com as necessidades do povo do que deveriam. Chegam a tomar atitudes que muitas pessoas encaram com um insulto e uma desmoralização. Nada disso justifica, no entanto, qualquer esforço para diminuir e enfraquecer seus poderes. Cabe debater regras eleitorais, procurar outros candidatos e assim por dinante. A menos, claro, que você não tenha percebido, ainda, que a democracia é o pior regime do mundo -- com exceção de todos os outros.
 
E aqui chegamos a questão essencial.
Ao agir politicamente, a Justiça é obrigada, de uma forma ou de outra, a afastar-se de seu princípio essencial, da isenção, da balança, do equilíbrio, para tomar partido, escolher um lado.
 
Em editorial onde admite o problema, a Folha de S. Paulo chega a pedir “equilíbrio”  ao Judiciário. Referindo-se ao programa de creches do Tribunal de Justiça, o jornal adverte:
 
“Se terminar usurpando competências do Executivo e ambicionar, em substituição ao governo, conduzir a política educacional, a decisão será desastrosa.
Em democracias consolidadas, tribunais se pautam pelo equilíbrio entre ativismo e autocontenção. Na jovem democracia brasileira, a busca por essa fórmula está em curso e dependerá, em boa medida, do sucesso (ou fracasso) de experiências como a do TJ-SP e da sobriedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal.”
 
Vamos combinar que o simples fato de um jornal pedir “equilíbrio” ao Judiciário mostra que se chegou a um preocupante estado de desequilíbrio entre os poderes. É sintomático que o jornal tenha reconhecido isso.
 A verdade é que não estamos diante num debate sobre a “melhor forma” de administrar a cidade, numa espécie de seminário entre cidadãos bem intencionados, onde é preciso encontrar o “ponto certo” num universo “complexo” e outros argumentos que parecem acadêmicos.   
 A discussão é política e envolve interesses concretos. Também envolve os fundamentos do poder de Estado. Colocado contra a parede em três decisões grades de sua gestão, Fernando Haddad enfrenta uma situação que está longe de ser única.
 A judicialização ocorre em dezenas de cidades médias brasileiras, onde prefeitos são atingidos com frequências em seus mandatos e forçados a modificar ou suspender políticas que têm todo o direito de encaminhar como representantes eleitos pelo povo.
 
 

PREVISÕES DE HORÓSCOPO

As apostas da imprensa


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa




A anedota que encerra o ano é contada por um colunista do jornal O Estado de S. Paulo na edição de terça-feira (31/12). A propósito de produzir uma “retrospectiva” do ano que se está a inaugurar, ele faz uma rápida passagem por indicadores, que, a rigor, podem apontar projeções para cima ou para baixo no desempenho da economia (ver aqui). No final, quase pede desculpas aos leitores por fazer uma análise otimista, “mas não irrealista”.
O texto é interessante não apenas porque exercita com sagacidade a difícil arte da ironia no jornalismo, mas também porque, de certa maneira, coloca em termos mais realistas a suposta capacidade dos especialistas de fazer previsões. O artigo se destaca justamente por fugir do determinismo habitual da mídia especializada, que insiste em fincar postes de concreto no pantanoso terreno das subjetividades. Sua principal qualidade é a de brincar com as “retrospectivas futuristas” que a imprensa costuma publicar nesta época do ano.
A leitura das muitas páginas de adivinhações publicadas nos últimos dias leva à constatação de que o jornalismo no Brasil se apegou tanto a certo olhar sombrio sobre as chances de desenvolvimento do país que já não consegue dissimular uma clara “torcida” para que alguma coisa dê errado. Assim, se o nível de desemprego se mantém entre os mais baixos do mundo, em economias comparáveis, e se a renda do trabalho segue em alta, sem que os lucros das empresas tenham sido afetados, resta cravar na manchete o péssimo desempenho do mercado de ações.
A Bolsa do Brasil teve o segundo pior desempenho entre as instituições do gênero em 2013, mas os analistas projetam uma recuperação de 30% no ano que se inaugura. Essa notícia já havia sido publicada ao longo da semana, mas ganha espaço nas primeiras páginas de terça-feira (31), porque é preciso ressaltar, sempre que possível, os aspectos negativos da complexidade econômica.
É quase um mantra no jornalismo brasileiro, uma espécie de manual de redação comum aos principais veículos de circulação nacional. Como se dizia no programa humorístico Rádio Camanducaia: “Quando não tem notícia, a Camanducaia inventa”.
O mapa astral
Interessante observar o subtexto das reportagens sobre o péssimo desempenho da Bolsa. Quem ler apenas os títulos sai comentando nas redes sociais que o mundo acabou, mas basta um olhar mais cuidadoso para perceber alguns sinais de manipulação na construção de manchetes.
Primeiro, os jornais omitem o fato de que o índice Bovespa reflete a variação média das ações de maior valor de mercado e mais negociadas nos pregões. Convém, então, relativizar os dados, como faz corretamente a Folha de S. Paulo.
O Estado de S. Paulo anuncia no título: “Bovespa cai 15,5% em 2013 e tem pior desempenho entre as principais bolsas”. Mas o texto da reportagem é otimista nas entrelinhas, com os analistas levando em conta a derrocada da OGX, empresa de Eike Batista, que sozinha carregou 40% das perdas do mercado, e projetando para 2014 o início de um período de recuperação do mercado acionário no Brasil.
No infográfico que acompanha a notícia, observa-se que a Bolsa da Argentina liderou os ganhos em todo o mundo, com um crescimento de 88% em 2013, mais de 30 pontos acima do desempenho da Bolsa de Tóquio. Sem explicações.
O Globo, com um título que beira o deboche, destaca: “Na lanterninha global”. Na reportagem interna, as razões para a queda no índice Bovespa incluem fatores variados, entre os quais o risco de o Supremo Tribunal Federal determinar o pagamento das perdas bilionárias provocadas por planos econômicos de duas décadas atrás, o que derrubou o valor de mercado dos grandes bancos. A Bolsa da Argentina simplesmente desaparece do gráfico, e o lucro daqueles que desconfiaram do mercado de ações aparece apenas no fim do texto.
Do material disponível nas principais publicações brasileiras, o grande destaque em termos de objetividade fica para a página dupla no pacote de “apostas” da revista Época desta semana: o mapa astral mostra que o céu é “favorável para os brasileiros na Copa do Mundo”, mas há nuvens negras na política e no clima, ou seja, há possibilidade de novas revelações de corrupção e mais inundações em áreas urbanas.
Conclusão: a informação mais confiável da imprensa está no horóscopo.
 
 

COISAS DO BRASIL

Bestialidade à vontade


Jânio de Freitas, no jornal Folha de São Paulo




Quatorze decapitados, entre 59 assassinados de janeiro às vésperas do Natal. Primeiro, o que explica tamanha ferocidade? Além disso, o que fez com que tais crimes e números pudessem se acumular, com o decorrer do ano, sem alarmar o meio político, social e cultural que os circundaram, ainda hoje não alarmados? Por fim, a localização e a situação onde tamanhas monstruosidades podem ocorrer serão mesmo um país, um regime constitucional democrático, um Estado de Direito?
 
O horror é ainda mais extenso, sem parecer que pudesse sê-lo. Mulheres e irmãs em visita a presos são obrigadas a deixar-se estuprar, para que seus parentes não sejam assassinados naquele "complexo prisional" de Pedrinhas, São Luís, Maranhão.
 
A bestialidade como forma de vida em Pedrinhas não se torna conhecida, afinal, porque o sistema administrativo que a mantém –governo e varas de execuções penais– decidisse combatê-la. Foi, sim, por força do inesperado. Uma rebelião causou mais quatro mortes, com três decapitações, e representantes do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público foram verificar o que houvera. Contra a submissão imposta nas cadeias, e a todo risco, detentos tiveram a hombridade de defender suas mulheres e denunciar as violências sexuais.
 
Pensava-se ter noção da desumanidade que o nosso pretenso Estado Democrático de Direito e seus Direitos Humanos mantêm nos cárceres do Brasil todo. A decapitação como método e a violação de familiares levam a perguntar menos sobre o sistema carcerário do que sobre quem está fora e acima dele. Nos governos, no Ministério Público e, sobretudo, no Judiciário.
 
CAUSA PRÓPRIA
Enquanto os honrados do PSDB bloqueiam as investigações de seus feitos contra os cofres públicos de São Paulo, o líder de sua bancada na Câmara, deputado Carlos Sampaio, se ocupa com incriminações também do governo ou do PT. Sua ideia mais recente é uma ação contra Dilma Rousseff, na Justiça Eleitoral, por mandar cartões de Boas Festas aos funcionários. Sampaio, promotor de origem, considera que os cartões são abuso de poder, com finalidade eleitoral.
 
Então Dilma faz campanha desde o primeiro ano de governo. E Carlos Sampaio, para ser coerente, terá de processar muitos ministros, governadores e secretários de governo, inclusive do PSDB. Mas tem alternativa a esse trabalhão: é ser um pouco mais sério e menos ridículo, já que está pensando na sua própria reeleição.
 
VIAS DE ROUBO
Os estragos feitos pelas enchentes nas estradas expõem, e as fotos e vídeos mostram, um elemento comum tão importante quanto desprezado: o asfaltamento finíssimo das pistas, diretamente sobre terra instável, contra a necessária técnica de camadas preliminares de sustentação. Daí a curta duração dos asfaltamentos e a péssima qualidade das estradas, com a buraqueira causadora de tantos danos e desastres.
 
Mas, para as empreiteiras, um modo de aumentar ainda mais os lucros, com a realização apenas parcial do serviço necessário e a repetição dele em futuro muito mais próximo.
Estradas são vias de roubo em muitos sentidos.
 
 
 

28 dezembro 2013

DESAFIOS

O ano partido ao meio


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



O ano que se encerra deixa lições interessantes para quem observa o ambiente da mídia e a sociedade no Brasil. Foi um ano que se dividiu ao meio, exatamente no mês de junho, quando uma onda de manifestações colocou nas ruas a pauta das insatisfações que assombram principalmente os mais jovens. O ponto de conjunção desses descontentamentos é a mobilidade urbana, sem a qual tudo se torna mais penoso: a conquista da educação, a saúde, a segurança, a cultura e o lazer.
A imprensa, como todas as instituições, foi apanhada de surpresa, porque não acompanhou o desenvolvimento dos debates que vinham acontecendo desde os primeiros encontros do Fórum Social Mundial, em 2001. A ideia que se consolidava nessas reuniões de organizações sociais era que “um outro mundo é possível”.
A necessidade de romper a barreira da mídia institucional se tornou explícita durante o evento realizado em 2005, em Porto Alegre. Foi nessa ocasião que as organizações sociais empenhadas na agenda de mudanças se deram conta de que era preciso sair da reflexão para a ação. O processo se deu segundo o padrão das flash mobs, ou mobilizações instantâneas, que se tornaram possíveis com o crescimento e popularização das redes sociais digitais.
Talvez por trabalhar em estruturas hierarquizadas, e sem conexão com as redes capilares e complexas da sociedade, a mídia tradicional foi tão surpreendida quanto as instituições do poder público, quando os manifestantes saíram às ruas. Depois, foi o que se viu: apropriada por grupos organizados e facilmente manipuláveis, a onda de protestos se esvaziou em meio aos atos de violência policial e vandalismo.
No entanto, o processo ainda não se completou. A agenda básica das manifestações foi apenas parcialmente atendida, com o congelamento das tarifas de transporte público na maioria das grandes cidades, mas as razões para descontentamento não foram removidas.
Apesar de as ruas terem sido ocupadas por grupos oportunistas em favor de seus interesses específicos, o núcleo original das manifestações de junho volta a se articular.
Ano dos estilhaços
A possibilidade da volta das grandes manifestações deverá se tornar mais concreta após o período de festas, quando os estudantes retornarem às aulas e se derem conta de que, embora as tarifas tenham sido congeladas há seis meses, o transporte público segue sendo um tormento na maioria das cidades. Nas metrópoles, pelo excesso de veículos nas ruas e pela precariedade histórica do sistema de coletivos; nas cidades médias e pequenas, pela insuficiência e baixa frequência das redes. Junte-se a isso o recrudescimento do radicalismo político na imprensa, que acontece nos períodos eleitorais, e teremos o cenário perfeito para as tempestades sociais.
Em junho, quando as ondas de protesto tomaram as ruas, a mídia desviou a responsabilidade pelos descontentamentos para os poderes Executivo e Legislativo, ao mesmo tempo em que exaltava aquilo que era tido como o ponto de mutação do poder Judiciário.
As autoridades responderam a algumas das demandas, com medidas de impacto, como o lançamento do Programa Mais Médicos, o congelamento das tarifas de transporte e cortes de R$ 260 milhões nos gastos anuais do Senado. Na semana passada, uma nota na imprensa registrou que 95% dos médicos formados no exterior que se inscreveram no programa foram aprovados na segunda etapa do exame de proficiência.
O cenário apresenta um desafio interessante para a imprensa: se continuar priorizando declarações, que simplesmente aquecem a temperatura política, sem oferecer alternativas para os problemas nacionais, poderá estar dando uma força para os grupos que têm interesse na volta dos distúrbios. Se apostar num jornalismo crítico, mas fundado na análise dos desafios que se apresentam, poderá contribuir para o apaziguamento das ruas, mas estará poupando o governo federal, ao qual se opõe.
O ano que se inaugura promete uma complexidade nunca antes vista por aqui, com a realização da Copa do Mundo no Brasil, cujo encerramento irá coincidir com o início oficial da campanha eleitoral que, segundo as pesquisas, poderá definir a permanência, no poder federal, da aliança que governa o país desde 2003.
Por outro lado, a imprensa estará trabalhando com duas realidades econômicas antagônicas: aquela dos indicadores pessimistas, que costumam frequentar as manchetes, e a percepção das ruas, com desemprego em baixa, salários em alta e consumo aquecido.
Se 2013 foi um ano partido ao meio, 2014 poderá ser o ano dos estilhaços.
 
 
 

2013 x 2014

A velha mídia quer a presidência de
presente de Natal


Antonio Lassance, na Agência Carta Maior
Arquivo


O jornalista Ancelmo Góis fez uma enquete junto a outros colunistas do jornal O Globo para saber o que eles esperam de 2014. Merval Pereira espera que as coisas continuem ruins no ano que vem, mas acha que vão piorar. Carlos Alberto Sardenberg, Míriam Leitão e Zuenir Ventura torcem por mais protestos – “protestos vigorosos”, quer Sardenberg. Ricardo Noblat pediu a Papai Noel que dê discernimento aos brasileiros para escolher o próximo presidente da República. Se é para dar, supõe-se que é porque ainda não temos.

A enquete deixa claro o que o mais tradicional veículo da velha mídia está preparado para fazer em 2014. É o mesmo que fez em 2013: pegar carona na insatisfação popular para tentar influir decisivamente no mundo da política. Desgastar aqueles de quem não gosta para dar uma força àqueles que são seus prediletos.

A mídia que foi escorraçada das ruas e teve que mascarar as logomarcas de seus microfones quer repetir o que sempre fez em eleições presidenciais: entrar em campo e desempenhar o papel de partido de oposição.

As corporações midiáticas se organizam para, mais uma vez, interferir no resultado das eleições porque disso depende o seu negócio. De novo, entram em campo para medir forças. Já estão acostumadas a partir para o tudo ou nada. Vão testar, pela enésima vez, a quantas anda seu poder sobre a política. Disso fazem notícia e assim agem para deixar os políticos e os partidos de joelhos, estigmatizados, envergonhados e obsequiosos. 

Como nos ensinou Venício Lima, uma Presidência, um Congresso e partidos achincalhados são incapazes de propor uma regulação decente da mídia, nem mesmo para garantir a liberdade de expressão, a diversidade de fontes de informação, a pluralidade de opiniões e um mercado da comunicação não cartelizado.

Em 2013, as corporações midiáticas, mais uma vez, anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar. E não é que o tal do mundo não se acabou? Quando os protestos de junho tomaram as ruas, o preço do tomate tinha ido às alturas. O PIB de 2012 se tornou conhecido e seu crescimento havia sido próximo de zero. Os reservatórios estavam bem abaixo do normal e "especialistas" recomendavam rezar para que não houvesse apagão. O caso Amarildo fez derreter a quase unanimidade que havia em defesa do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (as UPPs). 

Parecia que o país ia mal das pernas e que um modelo de governança estava esgotado e ruindo. Tudo levava a crer que a presidência Dilma havia entrado em um beco sem saída. Mas saiu. Ela recuperou sua popularidade, enquanto seus adversários potenciais caíram em preferência de voto e aumentaram sua rejeição. 

O ano terminou melhor do que começou, para o governo e para o País. A inflação vai fechar dentro da meta. Assim deve permanecer no ano que vem, por mais que alguns analistas queiram, usando razões que a própria razão desconhece, nos fazer crer que o limite da meta é algo fora da meta (quem sabe os dicionários, no ano que vem, tragam um novo sentido para a palavra “limite”). Não houve apagão e as térmicas foram desligadas mais cedo do que se imaginava. 

O crescimento do PIB, em 2014, deve ser maior do que o deste ano. Educação e saúde terão mais recursos e têm saído melhor na percepção aferida em pesquisas. O Brasil, no ano que vem, continuará com um dos maiores superávits primários do mundo, ainda mais com a entrada de novos recursos vindos da exploração do pré-sal e das concessões de infraestrutura.

Mas os pepinos continuam sendo muitos. Alguns serão particularmente difíceis de se descascar no ano que vem. Um é a ameaça de as agências de avaliação de risco rebaixarem a nota do Brasil. Outro é o descrédito das políticas de segurança pública, em todos os estados, mas respingando no Governo Federal.

O terceiro e, possivelmente, o mais explosivo, seria o mesmo de 2013: uma nova onda de aumento das tarifas de ônibus, o que tradicionalmente acontece no primeiro semestre de cada ano. A derrota do aumento do IPTU em São Paulo, na Justiça, tirou do mapa a única situação que se imaginava sob controle. O eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte é o que mais preocupa o Planalto. Se algo der errado, no ano que vem, terá como epicentro provável essas três capitais, podendo alastrar-se para as demais.

Os protestos de 2013 foram uma tempestade perfeita. Várias questões mal resolvidas e acumuladas no estresse diário dos cidadãos se transformaram em revolta nas ruas, juntando alhos e bugalhos. Imprevisíveis, tempestades perfeitas, como foram as jornadas de junho, são também difíceis de se repetirem. Difíceis, mas não impossíveis.

Basta um pequeno risco para se ter uma grande preocupação. Os três problemas mais sensíveis do momento (a percepção internacional sobre a economia do país, a segurança pública e as tarifas de ônibus) conformam a agenda prioritária do primeiro trimestre de 2014 a ser toureada diretamente pelo Palácio do Planalto. Os meses de janeiro a março de 2014 serão mais agitados do que o normal, pelo menos, na Esplanada dos Ministérios.

O trimestre seguinte, de abril a junho, será o período mais crítico. Ali se concentram as datas-base da negociação trabalhista de várias categorias; a briga de foice de muitos interesses para entrarem na pauta do esforço concentrado do Congresso; o período final do acerto das candidaturas presidenciais e estaduais; finalmente, claro, a Copa do Mundo de Futebol.

Que venha 2014. Que venha mais ousadia de todos os governos e partidos. Que venham mobilizações em favor dos mais pobres e com os mais pobres nas ruas, com suas organizações sociais, populares e seus partidos -  até para que os partidos possam abrir menos a boca e mais os ouvidos. Que os brasileiros mostrem que a voz das ruas não é aquela fabricada pelas manchetes das corporações midiáticas. Que a opinião pública mostre, ao vivo e em cores, que a sua verdadeira opinião é normalmente o avesso da opinião publicada. Que venham surpresas, pois são delas que surgem as mudanças.

(*) Antonio Lassance é cientista político.