29 janeiro 2012

POLÍTICA, ECONOMIA, SOCIEDADE

Sessenta anos depois

(A birra da mídia com a Petrobras)

Por Mino Carta


"O petróleo é nosso". Esta batalha os vetustos donos do poder perderam. Foto: José Vieira Trovão / Ag. Petrobras
Há 60 anos, estudante de Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, cheguei a me sentir pessoalmente atingido pelos editoriais dos jornalões. Mania de grandeza, a minha. A velha e sempre nova academia tornara-se um centro importante das manifestações que agitavam o País consciente à sombra do lema “O Petróleo É Nosso”. Bandeira altiva e justa, desfraldada na perspectiva de um futuro que imaginávamos muito próximo. A mídia reagia enfurecida, clamava contra tamanho atrevimento, forma tola de nacionalismo a ignorar a nossa incompetência e nossos compromissos internacionais.
Os jornalões mastigavam fel diante de um duplo desafio: contra as irmãs do petróleo e, pior ainda, contra o império americano em plena Guerra Fria, contra aquele Tio Sam chamado pelo Altíssimo a nos defender da ameaça marxista-leninista. Era a irredutível vocação de súdito-capacho pronunciada com a pompa do estilo cartorial, próprio dos editoriais daquele tempo, e deste até.
Nos jornais de hoje leio que a direção da Petrobras foi trocada pela presidenta Dilma, insatisfeita com a gestão e determinada a controlar mais de perto o desempenho da estatal. Onde será que os perdigueiros das redações colhem informações? Antes de incomodar meus pacientes botões, anoto a observação de um amigo: “Na própria reunião de pauta”. Ou seja, antes de sair a campo, o perdigueiro sabe, pela ordem da chefia, o que haverá de contar aos amáveis leitores.
Da boca de Lula já ouvi a seguinte consideração: “Se o presidente da República conta no máximo com oito anos de mandato, por que o diretor de uma estatal deveria ter mais?” A troca da guarda na Petrobras estava decidida há tempo, mas a presidenta Dilma não tem motivo algum de insatisfação a respeito da gestão de José Sergio Gabrielli. É do conhecimento até do mundo mineral que, sob o comando de Gabrielli, o valor de mercado da Petrobras fermentou de 14 bilhões de dólares para 160, o pré-sal foi descoberto e o Brasil tornou-se o 11º produtor de petróleo do mundo. Segundo The Economist, por essa trilha chega a quinto até 2020.
As pedras sabem também que Dilma Rousseff, depois de ocupar a pasta de Minas e Energias no primeiro mandato de Lula, ao assumir a Casa Civil passou a acumular a presidência do Conselho de Administração da Petrobras e manteve estreita ligação com Gabrielli. Talvez a mídia nativa continue aquém do mundo mineral. Reconheça-se, contudo, a sua coerência. Ao longo dos últimos 60 anos, o petróleo ficou claramente nosso e a Petrobras tornou-se uma realidade empolgante, mas a mídia não mudou. Em relação a estas questões, a sua contrariedade se mantém, além de transparente, patética.
Por 60 anos a fio, os barões do jornalismo não perderam a oportunidade de tomar o partido do Tio Sam e das irmãs do petróleo até ensaiar a revanche ao propor a privatização da nossa estatal. Devemos atribuir a um milagre o fato de que Fernando Henrique não tenha atendido aos insistentes, poderosos pedidos. Certo é que a tentação o roçou perigosamente. Quem sabe caiba um agradecimento especial a Nossa Senhora Aparecida se os editorialões acabaram por cair no vazio.
Agrada-me recordar 1952 e aquele fervor juvenil. Ali nasceu a Petrobras com a chancela de Getúlio Vargas, figura contraditória de estadista manchada pelo período ditatorial e valorizada pela visão do futuro, partilhada, por exemplo, pela juventude do Largo de São Francisco. Getúlio era então o presidente eleito, empenhado em firmar os caminhos da industrialização inaugurados por obras como Volta Redonda, as Leis do Trabalho, a criação do salário mínimo. A imprensa só enxergava então os riscos da mudança, ameaça para tudo aquilo que representava. A Petrobras seria mais um pecado getulista, a ser pago, juntamente com os demais, pelo tiro que ecoou no Catete na manhã de um dia de agosto de 1954. Ocorre-me que o desespero do suicida tenha aflorado com prepotência ao perceber a resistência insana dos vetustos donos do poder e ao imaginar por isso um futuro bem mais distante do que esperavam os moços do Largo.

Fonte: www.cartacapital.com.br 

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No Pinheirinho, o Brasil das trevas


Por Walter Maierovitch

Moradores do Pinheirinho sentiram a mão pesada da polícia paulista. Foto: Reuters/Latinstock
Uma pergunta perturbadora. Pode ser considerado civilizado um país cuja Justiça determina, sem qualquer motivo de urgência e com emprego de tropa de choque da Polícia Militar, a expulsão violenta dos seus lares de 1,5 mil famílias pobres, com apreensão de todos os seus pertences e uso da tática militar da surpresa e a agravante de não lhes ser ofertado um teto substitutivo de abrigo?
A resposta, por evidente, é negativa. Com efeito, o fato aconteceu no domingo 22, por força de mandado judicial expedido nos autos de uma ação de reintegração de posse em Pinheirinho, na cidade paulista de São José dos Campos, uma área com 1,3 milhão de metros quadrados e cerca de 6 mil moradores, todos sem títulos de propriedade e cuja ocupação daquele espaço remonta a 2004.
A decisão de reintegração foi da juíza da 6ª Vara da Comarca que, num Brasil com direito de matriz romana, se esqueceu de uma velha lição da lavra do jurista e político Giuvenzius Celso Figlio e encartada no Digesto: Jus est ars boni et aequis (o Direito é a arte do bom e do equitativo).
Fora isso, a decisão foi precipitada. Os canais conciliatórios estavam abertos e soluções alternativas justas poderiam ser alcançadas, como, por exemplo, a desapropriação por utilidade social. No particular, havia, além de um protocolo de intenções a tramitar no Ministério das Cidades, um acordo de adiamento da reintegração com prazo de vigência em curso.
Mais ainda, no âmbito jurisdicional existia um conflito de competência entre a Justiça estadual, que determinara a reintegração, e a federal, com liminar a suspender a desocupação. Esse conflito só foi resolvido, em sede liminar, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e quando a tropa de choque da PM, com bombas e projéteis de borracha, já desalojara mais de 2 mil moradores, com muitas mães, como mostraram as fotografias dos jornais, a carregar os seus pequenos filhos. Esse conflito de jurisdição poderia ter sido motivador, pela Justiça paulista, de adiamento da reintegração. Por parte de Ari Pargendler, poderia esse presidente do STJ usar a sua conhecida arte amistosa de fazer lobby, demonstrada na tentativa de obter uma vaga de ministra para a cunhada, para suspender a reintegração e encaminhar a questão a exame colegiado do STJ. Não se deve olvidar, ainda, que um representante da presidenta Dilma Rousseff estava no Pinheirinho e procurava encontrar soluções definitivas. Em vez de um acordo, o representante federal experimentou lesões provocadas por balas de borracha disparadas pela PM.
Numa ação de reintegração de posse de área grande e com muitos ocupantes, a regra básica a orientar o juiz do processo é buscar, à exaustão, conciliações e evitar medidas traumáticas. A reintegração coercitiva só deve ocorrer excepcionalmente e não era o caso da executada no Pinheirinho. Essa grande e valiosa gleba-bairro, com casas de alvenaria, barracos, comércio e até biblioteca municipal, está registrada como de propriedade da Selecta Comércio e Indústria S.A. No momento, o Pinheirinho integra o acervo ativo da massa falida da empresa, cujo processo de falência se arrasta sem solução por mais de dez anos.
A Selecta era uma holding controlada pelo megaespeculador Naji Nahas, que já quase quebrou a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e acabou indiciado, e preso cautelarmente, na Operação Satiagraha. Essa operação, frise-se, restou anulada em 2011 pelo STJ, sob o leguleio tabaréu de vedada participação, ainda que meramente burocrática e em apoio à repressão à criminalidade organizada por poderosos e potentes, de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), lotados juntos ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Nahas nunca foi condenado criminalmente pela Justiça e beneficiou-se do efeito ampliativo da liminar de soltura concedida pelo ministro Gilmar Mendes em favor do banqueiro Daniel Dantas. Na falência da Selecta não há notícia de crime falimentar e, no Brasil, esses delitos são quase sempre alcançados pela prescrição.
Numa falência, como estabelece a legislação, há previsão para devolução, pagos os credores, de sobras aos sócios e acionistas da empresa falida. Não se descarta isso, com a grande valorização do Pinheirinho. E não é incomum, quando a massa falida possui propriedades em valorização, antigos sócios, por laranjas, comprarem créditos, negociados barato em face da tramitação demorada da falência.
O caso do Pinheirinho, pela iniquidade, faz lembrar Pierre Joseph Proudhon, célebre filósofo e revolucionário. Em 1840, ele publicou o seu primeiro ensaio político-econômico com uma pergunta na capa da obra: “O que é a propriedade?” Para Proudhon, ícone dos socialistas e contrário ao marxismo, “a propriedade é liberdade” e passa a ser condenável quando se torna “poder do homem sobre o homem”. Aí, ele conclui: “A propriedade é um furto”.

Fonte: www.cartacapital.com.br 
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DEBATE ABERTO

O horror e a opção preferencial contra os pobres

Nada mais precisa ser dito para descrever a operação de despejo de Pinheirinho, em São José dos Campos, e a ação policial contra os usuários de crack no centro da capital, na chamada Cracolândia. Mas existem muitas explicações para a truculência, a desumanidade, a destituição do direito de cidadania aos pobres pelo poder público paulista.

É o horror. Nada mais precisa ser dito para descrever a operação de despejo de Pinheirinho, em São José dos Campos, e a ação policial contra os usuários de crack no centro da capital, na chamada Cracolândia. Mas existem muitas explicações para a truculência, a desumanidade, a destituição do direito de cidadania aos pobres pelo poder público paulista.

A primeira delas é tão clara que até enrubesce. Nos dois casos, trata-se de espantar o rebotalho urbano de terrenos cobiçados pela especulação imobiliária. O Projeto Nova Luz do prefeito Kassab, que vem a ser a privatização do centro para grandes incorporadoras, vai ser construído sob os escombros da Cracolândia, sem que nenhuma política social tenha sido feita para minorar a miséria ou dar uma opção séria para crianças, adolescentes e adultos que se consomem na droga. 

O terreno desocupado com requintes de crueldade em São José dos Campos, de propriedade da massa falida do ex-mega-investidor Naji Nahas, que já era de fato um bairro, vai ser destinado a um grande investimento, certamente. O presente de Natal atrasado para essas populações pobres libera esses territórios antes que terminem os mandatos dos atuais prefeitos, e o mais longe possível do calendário eleitoral. Rapidamente, a prefeitura de São Paulo está derrubando imóveis; a prefeitura de São José não deve demorar para limpar o terrreno de Pinheirinho das casas - inclusive de alvernaria - das quais os moradores foram expulsos. 

Até outubro, no mínimo devem ter feito uma limpeza na paisagem, o que atenua nas urnas, pelo menos para a classe média, a ação da polícia. A higienização justifica a truculência policial. A "Cidade Limpa" de Kassab, que começou com a proibição de layouts na cidade, termina com a proibição de exposição da pobreza e da miséria humana.

A segunda é de ordem ideológica. Desde a morte de Mário Covas, que ainda conseguia erguer um muro de contenção para o PSDB paulista não guinar completamente à direita, não existe dentro do partido nenhuma resistência ao conservadorismo. Quando Geraldo Alckmin reassumiu o governo do Estado, em janeiro de 2011, muitas análises foram feitas sobre se ele, por força da briga por espaço político com José Serra dentro do partido, iria trazer o seu governo mais para o centro. A referência tomada foi o comando da Segurança Pública, já que em seu mandato anterior a truculência do então secretário, Saulo de Castro Abreu Filho, virou até denúncia contra o governo de São Paulo junto à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. 

O fato de ter mantido Castro fora da Segurança e se aproximado do governo federal, incorporando alguns programas sociais federais, e uma relação nada íntima com o prefeito da capital, deram a impressão, no primeiro ano de governo, que Alckmin havia sido empurrado para o centro. O que não deixava de ser uma ironia: um político que nunca escondeu seu conservadorismo foi deslocado dessa posição por um adversário interno no partido, José Serra, que, vindo da esquerda, tornou-se a expressão máxima do conservadorismo nacional. 

Isso não deixa de ser uma lição para a história. Superado o embate interno pela derrota incondicional de José Serra, que desde a sua derrota vinha perdendo terreno no partido e foi relegado à geladeira, depois da publicação de "Privataria Tucana", do jornalista Amaury Ribeiro Júnior, Alckmin volta ao leito. O governador é conservador; o PSDB tornou-se orgânicamente conservador, depois de oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e oito anos de posição neoudenista. A polícia é truculenta - e organicamente truculenta, já que traz o modelo militar da ditadura e foi mais do que estimulada nos últimos governos a manter a lei, a ordem e esconder a miséria debaixo do tapete. 

O nome de quem faz a gestão da Segurança Pública não interessa: está mais do que claro que passou pelo governador a ordem das invasões na Cracolândia e em Pinheirinho.

Outra análise que deve ser feita é a da banalização da desumanidade. Conforme a sociedade brasileira foi se polarizando politicamente entre PSDB e PT, a questão dos direitos humanos passou a ser tratada como um assunto partidário. O conservadorismo despiu-se de qualquer prurido de defender a ação policial truculenta, de tomar como justiça um Judiciário que, nos recantos do país, tem reiterado um literal apoio à propriedade privada, um total desprezo ao uso social da propriedade e legitimado a ação da polícia contra populações pobres (com nobres exceções, esclareça-se). 

Para os porta-vozes desses setores, a polícia, armada, "reage" com inofensivas balas de borracha à agressão dos moradores que jogam pedras perigosíssimas contra escudos enormes da tropa de choque. No caso de Pinheirinho, a repórter Lúcia Rodrigues, que estava na ocupação, na sexta-feira, foi ela própria alvo de duas balas letais, vindas da pistola de um policial municipal. Ela não foi atingida, mas duvida, pela violência que presenciou, das informações de que tenha saído apenas uma pessoa gravemente ferida daquele cenário de guerra.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.



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DEBATE ABERTO

A vingança dos dinossauros

Os leitores se recordam dos anúncios patrocinados pelo governo Collor, quando o caçador de marajás iniciava o processo de entrega dos bens nacionais aos estrangeiros, em nome da modernidade. Os que defendiam o patrimônio público eram desdenhosamente identificados como dinossauros.

Os leitores se recordam dos anúncios patrocinados pelo governo federal durante o mandato de Collor, quando o caçador de marajás iniciava o processo de entrega dos bens nacionais aos estrangeiros, em nome da modernidade. Os que defendiam o patrimônio público eram desdenhosamente identificados como dinossauros, ou seja, animais dos tempos jurássicos. Iniciou-se, com o confisco dos haveres bancários, o processo de desnacionalização da economia, sob o comando da senhora Zélia Cardoso de Melo e do economista Eduardo Modiano, nomeado presidente do BNDES com a missão de desmantelar o setor estatal e entregar suas empresas aos empreendedores privados que se associassem às multinacionais.

Naquela época publiquei artigo na Gazeta Mercantil, em que fazia a necessária distinção entre os dinossauros – uma espécie limpa, sólida, quase toda vegetariana – e os murídeos: camundongos, ratos e ratazanas.

É difícil entender como pessoas adultas, detentoras de títulos acadêmicos, alguns deles respeitáveis, puderam fazer análise tão grosseira do processo histórico. Mas eles sabiam o que estavam fazendo. Os economistas, sociólogos e políticos que se alinharam ao movimento neoliberal – excetuados os realmente parvos e inocentes úteis – fizeram das torções lógicas um meio de enriquecimento rápido.

Aproveitando-se dos equívocos e da corrupção ideológica dos quadros dirigentes dos países socialistas – que vinham de muito antes – os líderes euro-norte-americanos quiseram muito mais do que tinham, e resolveram recuperar a posição de seus antecessores durante o período de acumulação acelerada do capitalismo do século 19. Era o retorno ao velho liberalismo da exploração desapiedada dos trabalhadores, que havia provocado a reação dos movimentos operários em quase toda a Europa em 1848 (e animaram Marx e Engels a publicar seu Manifesto Comunista) e, logo depois, a epopéia rebelde da Comuna de Paris, com o martírio de milhares de trabalhadores franceses.

Embora a capitulação do Estado se tenha iniciado com Reagan e Thatcher, no início dos oitenta, o sinal para o assalto em arrastão veio com a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989 – coincidindo com a vitória de Collor nas eleições brasileiras. Não se contentaram os vitoriosos em assaltar os cofres públicos e em exercer a prodigalidade em benefício de seus associados do mercado financeiro. A arrogância e a insolência, nas manifestações de desprezo para com os pobres, que, a seu juízo, deviam ser excluídos da sociedade econômica, roçavam a abjeção. Em reunião realizada então na Califórnia, cogitou-se, pura e simplesmente, de se eliminarem quatro quintos da população mundial, sob o argumento de que as máquinas poderiam facilmente substituir os proletários, para que os 20% restantes pudessem usufruir de todos recursos naturais do planeta.

Os intelectuais humanistas – e mesmo os não tão humanistas, mas dotados de pensamento lógico-crítico – alertaram que isso seria impossível e que a moda neoliberal, com a globalização exacerbada da economia, conduziria ao malogro. E as coisas se complicaram, logo nos primeiros anos, com a ascensão descontrolada dos administradores profissionais – os chamados executivos, que, não pertencendo às famílias dos acionistas tradicionais, nem aos velhos quadros das empresas, atuavam com o espírito de assaltantes. Ao mesmo tempo, os bancos passaram a controlar o capital dos grandes conglomerados industriais. 

Os “executivos”, dissociados do espírito e da cultura das empresas produtivas, só pensavam em enriquecer-se rapidamente, mediante as fraudes. É de estarrecer ouvir homens como George Soros, Klaus Schwab e outros, outrora defensores ferozes da liberdade do mercado financeiro e dos instrumentos da pirataria, como os paraísos fiscais, pregar a reforma do sistema e denunciar a exacerbada desigualdade social no mundo como uma das causas da crise atual do capitalismo.

Isso sem falar nos falsos repentiti nacionais que, em suas “análises” econômicas e políticas, nos grandes meios de comunicação, começam a identificar a desigualdade excessiva como séria ameaça ao capitalismo, ou seja, aos lucros. Quando se trata de jornalistas econômicos e políticos, a ignorância costuma ser companheira do oportunismo. Da mesma maneira que louvavam as privatizações e a “reengenharia” das empresas que “enxugavam” as folhas de pagamento, colocando os trabalhadores na rua, e aplaudiam os arrochos fiscais, em detrimento dos serviços essenciais do Estado, como a saúde, a educação e a segurança, sem falar na previdência, admitem agora os excessos do capitalismo neoliberal e financeiro, e aceitam a intervenção do Estado, para salvar o sistema.

Disso tudo nós sabíamos, e anunciamos o desastre que viria. Mas foi preciso que dezenas de milhares morressem nas guerras do Oriente Médio, na Eurásia, e na África, e que certos banqueiros fossem para a cadeia, como Madoff, e que o desemprego assolasse os países ricos, para que esses senhores vissem o óbvio. Na Espanha há hoje um milhão e meio de famílias nas quais todos os seus membros estão desempregados.

Não nos enganemos. Eles pretendem apenas ganhar tempo e voltar a impedir que o Estado volte ao seu papel histórico. Mas o momento é importante para que os cidadãos se mobilizem, e aproveitem esse recuo estratégico do sistema, a fim de recuperar para o Estado a direção das sociedades nacionais, e reocupar, com o povo, os parlamentos e o poder executivo, ali onde os banqueiros continuam mandando.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.


Fonte: www.cartamaior.com.br 


               H  I  S  T  Ó  R  I  A

A Cuba que Dilma visita



Por Emir Sader, em seu Blog


Assim que Fidel e seus companheiros tomaram o poder e o governo dos EUA acentuou suas articulações para tratar de derrubar o novo poder, a grande burguesia cubana e uma parte da classe média alta foram se refugiar em Miami. Bastava esperar que mais um governo rebelde capitulasse diante das pressões norte-americanas ou fosse irremediavelmente derrubado. Afinal, nenhum governo latinoamericano rebelde tinha conseguido sobreviver. Poucos anos antes Getulio Vargas tinha se suicidado e Peron tinha abandonado o governo. Os dois governos da Guatemala que tinham ousado colocar em prática uma reforma agrária contra a United Fruis – hoje reciclada no nome para Chiquita -, sofreram um violento golpe militar.

Como um governo cubano rebelde, em plena guerra fria, a 110 quilômetros do império, conseguiria sobreviver? Cuba era o modelo do “pátio traseiro” dos EUA. Era ali que a burguesia cubana passava suas férias como se estivesse numa colônia sua. Era ali que os filmes de Hollywood encontravam os cenários para os seus melosos filmes sentimentais. Era ali que um aristocrata cubano tinha importado Esther Williams para inaugurar sua casa no centro de Havana, mergulhando numa piscina cheia de champanhe. Era em Cuba que os milionários norteamericanos desembarcavam com seus iates diretamente aos hotéis com cassinos ou às suas casas, sem sequer passar pelas alfândegas. Era ali que os marinheiros norteamericanos se embebedavam e ofendiam os cubanos de todas as formas possíveis. Era para Cuba que a Pan American inaugurou seus vôos internacionais. Era ali que as construtoras de carros norte-americanas testavam seus novos modelos, um ano antes de produzi-los nos EUA. Foi em Cuba que a máfia internacional fez seu congresso mundial no fim da segunda guerra, para repartir os seus mercados internacionais, evento para o qual contrataram o jovem cantor Frank Sinatra para animar suas festas. Em suma, Cuba era um protetorado norteamericano.

Os que abandonaram o país deixaram suas casas intactas, fecharam as portas, pegaram o dinheiro que ainda tinham guardado e foram esperar em Miami que o novo governo fosse derrubado e pudessem retomar normalmente sua vida num país de que se consideravam donos, associados aos gringos.

Há um bairro em Miami que se chama Little Havana, onde os nostálgicos ficam olhando para o sul, cada vez menos esperançosos de que possam retornar a uma ilha que já não podem reconhecer, pelas transformações radicais que sofreu. Participaram das tentativas de derrubada do regime, a mais conhecida delas a invasão na Baía dos Porcos, que durou 72 horas, mesmo se pilotada e protagonizada pelos EUA – presidido por John Kennedy naquele momento. Os EUA tiveram que mandar alimentos para crianças para conseguir recuperar os presos da invasão, numa troca humanitária.

Cuba mudou seu destino com a revolução, conseguiu ter os melhores índices sociais do continente, mesmo como país pequeno, pobre, ao lado dos EUA, que mantem o mais longo bloqueio da história – há mais de 50 anos -, tentando esmagar a Ilha.

Durante um tempo Cuba pode apoiar-se na integração ao planejamento conjunto dos países socialistas, dirigida pela URSS, que lhe propiciava petróleo e armamento, além de mercados para seus produtos de exportação. O fim da URSS e do campo socialista aparecia, para alguns, como o fim de Cuba. Depois da queda sucessiva dos países do leste europeu, a imprensa ocidental se deslocou para Cuba, instalou-se em Havana Livre, ficaram tomando mojitos e daiquiris, esperando para testemunhar a ansiada queda do regime cubano. (Entre eles estava Pedro Bial e a equipe da Globo.)

Passaram-se 23 anos e o regime cubano está de pé. Desde 1959, 10 presidentes já passaram pela Casa Branca e tiveram que conviver com a Revolução Cubana – de que todos eles previram o fim.

Cuba teve que se reciclar para sobreviver sem poder participar do planejamento coletivo dos países socialistas. Cuba teve que fazer um imenso esforço, sem cortar os direitos sociais do seu povo, sem fechar camas de hospitais, nem salas de aulas, ao invés da URSS de Gorbachev, que introduziu pacotes de ajuste e terminou acelerando o fim do regime soviético.

É essa Cuba que a Dilma vai encontrar. Em pleno processo de reciclagem de uma economia que necessita adaptar suas necessidades às condições do mundo contemporâneo. Em que Cuba intensificou seu comércio com a Venezuela, a Bolívia, o Equador – através da Alba -, assim como com a China, o Brasil, entre outros. Mas que necessita dar um novo salto econômico, para o que necessita de mais investimentos.

Necessita também aumentar sua produtividade, para o que requer incentivar o trabalho, de acordo com as formulações de Marx na Critica do Programa de Gotha, de que o principio do socialismo é o de que “a cada um conforme o seu trabalho”, afim de gerar as condições do comunismo, em que a fartura permitira atender “a cada um conforme suas necessidades”. 

Cuba busca seus novos caminhos, sem renunciar a seu profundo compromisso com os direitos sociais para toda a população, a soberania nacional e a solidariedade internacional. Cuba segue desenvolvendo suas políticas solidárias, que permitiram o fim do analfabetismo na Venezuela e na Bolívia e o avanço decisivo nessa direção em países como o Equador e a Nicarágua.

Cuba mantem sempre, há mais de dez anos, a Escola Latinoamericana de Medicina, que já formou na melhor medicina social do mundo, de forma gratuita, a milhares de jovens originários de comunidades carentes todo o continente – incluídos os EUA. Cuba promove a Operação Milagre, que ja’ permitiu que mais de 3 mil latino-americanos pudessem recuperar plenamente sua visão.

Cuba é um sociedade humanista, que privilegia o atendimento das necessidades dos seus cidadãos e dos de todos os outros países necessitados do mundo. Que busca combinar os mecanismos de planejamento centralizado com incentivos a iniciativas individuais e a atração de investimentos, na busca de um novo modelo de crescimento, que preserve os direitos adquiridos pela Revolução e permite um novo ciclo de expansão econômica.

Aqueles que se preocupam com o sistema politico interno de Cuba, tem que olhar não para Havana, mas para Washington. Ninguém pode pedir a Cuba relaxar seus mecanismos de segurança interna, sendo vítima do bloqueio e das agressões da mais violenta potência imperial da história da humanidade. A pressão tem que se voltar e se concentrar sobre o governo dos EUA, para o fim do bloqueio, a retirada da base naval de Guantanamo do território cubano e a normalização da relação entre os dois países.

É essa Cuba que a Dilma vai se encontrar, intensificando e ampliando os laços de amizade e os intercâmbios econômicos com Cuba. Não por acaso o Brasil só restabeleceu relações com Cuba depois que a ditadura terminou, intensificando essas relações no governo Lula e dando continuidade a essa política com o governo Dilma.

















IMPRENSA

A mesmice do jornalismo opinativo


Por Leandro Fortes, em seu Blog



  Eu tinha lido algo semelhante, no início da semana, na coluna de Ricardo Noblat, em O Globo, e achei estranho o silêncio do governo a respeito. No último dia 18, também em O Globo, na sempre interminável coluna do imortal Merval Pereira, reli a mesmíssima história, quase sem tirar nem por: “O governo Dilma Rousseff, mesmo sem grandes realizações em seu primeiro ano e cheio de problemas para resolver na sua base aliada, continua popularíssimo graças à sensação de bem estar que a economia brasileira ainda é capaz de proporcionar, mesmo que os sinais de desgaste do modelo estejam evidentes, até mesmo pelo reflexo da crise internacional”.


Bom, o texto é ruim mesmo, mas meu comentário é outro. É nisso que passou a se resumir o jornalismo de opinião no Brasil? Um amontoado de clichês repetidos como plágio, coluna por coluna, num processo de total descolamento da realidade ditada pela internet e pelas redes sociais?
Longe de mim querer ser porta-voz do governo Dilma, mas acho que era o caso de a Secretaria de Comunicação da Presidência tomar uma providência simples.
Salvo engano, são 38 ministérios. Vamos pensar que cada um deles tenha promovido ao menos 10 boas realizações em 2011. Já serão, portanto, 380 realizações, um número bem distante de “quase nenhuma”, como avaliam, sem apresentar nenhum argumento minimamente factual, os colunistas de O Globo.
Então, basta a comunicação social do Planalto compilar esses dados, enviar à redação de O Globo e esperar que o diário carioca conceda, democraticamente, o mesmo espaço para o necessário esclarecimento. Caso isso não ocorra, que os dados sejam colocados no Blog do Planalto e distribuídos nas redes sociais como desmentido. Isso, claro, se a presidenta Dilma achar realmente que os colunistas em questão estão errados.
Não parece simples, ou estou ficando maluco?


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A sovietização dos telejornais 
brasileiro



Os telejornais noturnos de ontem (18/01/2012), especialmente o da Band e o da Globo, requentaram a história do assassinato do Celso Daniel. A propósito de uma entrevista do promotor do caso alertando sobre a possibilidade de prescrição do processo, toda a história da tragédia foi novamente contada. Curiosamente, a ênfase da cobertura não foi o fato narrado pelo promotor (a possibilidade de prescrição), mas o suposto envolvimento de José Dirceu e de pessoas relacionadas à tragédia que ocupam cargos no governo Dilma (a viúva do falecido entre as tais).
A imprensa requentar histórias não é algo novo. Trata-se de um fenômeno bem descrito e estudado pelos teóricos do jornalismo. Novo mesmo, penso, foi os telejornais usarem este procedimento para desviar a atenção dos telespectadores do fato relevante que deveria ser coberto: a possibilidade de prescrição do processo. O caso está na Justiça, portanto a matéria deveria colocar em foco a estrutura do Poder Judiciário (que possibilita a prescrição de ações penais, dentre elas a referente à tragédia de Celso Daniel) e as eventuais deficiências do próprio Ministério Público (que é o órgão de acusação e dispõe de uma certa autonomia, mas tem seu procurador-geral nomeado pelo governador do estado – portanto, sujeito a injunções de natureza partidária).
A tragédia vitimou uma personalidade do PT, mas o estado é comandado pelo PSDB há décadas. Portanto, se há algum tipo de injunção política no MP para brecar a ação dos promotores, isto certamente não pode ser creditado ao partido de Celso Daniel. Da entrevista do promotor, qualquer cidadão pode concluir que o caso está na Justiça, ou seja, o conflito está sendo administrado e será resolvido na forma da Lei pelo Poder Judiciário. O TJSP é autônomo e sempre soube defender suas prerrogativas e sua autonomia. A possibilidade ou não de prescrição levantada pelo promotor diz respeito ao funcionamento, ou mau funcionamento, do Judiciário. Mas nenhum desembargador do TJSP foi contatado. O presidente do TJSP não foi entrevistado para dizer o que tem sido feito e o que pode ser feito para que os processos criminais sejam julgados antes da prescrição.
Teorias nefastas
Tudo bem pesado, a cobertura do fato (a possibilidade de prescrição) foi deixada de lado para que o PT fosse associado à tragédia e linchado publicamente. A partidarização dos telejornais no dia referido a propósito da questão referida foi evidente. Os principais personagens linchados nos telejornais noturnos de 18/01/2012 foram o PT e José Dirceu. A esposa do falecido foi tratada como se tivesse sido premiada pela morte do esposo e a presidente Dilma, apresentada como culpada, não pela tragédia em si, mas por associação aos suspeitos que nomeou. O suspeito José Dirceu, de quem nunca gostei (nem nos tempos em que era filiado ao PT), foi apresentado como culpado, culpado por suspeita (crime que, aliás, não existe na legislação penal em vigor). Os telejornais parecem não se dar conta de que estão a produzir uma verdadeira degeneração da cultura jurídica nacional.
A presunção de inocência é expressa na CF/88. Ela beneficia todos os cidadãos, inclusive os suspeitos e os réus antes da condenação. Ninguém merece ser linchado publicamente e até os petistas (por mais asquerosos que sejam considerados pelos jornalistas) devem ter seus direitos constitucionais respeitados. Fora da lei, não há civilidade; só barbárie e guerra civil que todos põe a perder. Em 18/01/2012, os telejornais desceram a ladeira.
Além de desviarem o foco da matéria da verdadeira notícia (a possibilidade de prescrição, que obrigaria a questionar o MP, o procurador-geral do estado e o governador que o nomeou, além, é claro, do TJSP, encarregado de julgar o caso) para poder linchar o PT, José Dirceu, a viúva e até Dilma, os telejornalistas construíram seu discurso à revelia do que está expresso na Constituição Federal. Os chefes de redação dos telejornais parecem ter aderido sem reservas às teorias jurídicas nefastas de Andrey Januaryevich Vyshinsky, aquele promotor soviético que criou a tese de que os suspeitos de traição ao regime stalinista eram presumivelmente culpados até que provassem sua inocência.
Um telejornalismo partidarizado
Senhores jornalistas, por favor, mais jornalismo e menos partidarismo ou ideologias jurídicas soviéticas no horário nobre. Se continuarem produzindo material jornalístico baseando-se nestes princípios jurídicos perigosos para poder linchar os partidos e políticos que detestam (ou inocentar os partidos e instituições que adoram), em pouco tempo, a população brasileira, que gosta de televisão e a considera um repositório importante de valores culturais, vai esquecer que temos Constituição e que os princípios desta é que são válidos e eficazes.
Jornalistas brasileiros, respeitem a cultura jurídica brasileira. Afinal, caso isto não ocorra (especialmente nos telejornais), em pouco tempo a população começará a acreditar que todo suspeito é culpado até prova em contrário. E o resultado disto será ainda mais nefasto: os suspeitos começarão a ser linchados e mortos (quem responderá por estes homicídios, os populares ou os jornalistas que difundem teorias jurídicas estrangeiras e perigosas?). Não só isto: além dos suspeitos serem atacados nas ruas, os advogados deles, que cumprem sua missão de defender seus clientes de maneira a garantir o contraditório e a ampla defesa (princípios que conferem aos processos criminais validade), começarão a ser intimidados e eventualmente agredidos na frente dos fóruns.
Sou advogado há 20 anos e fiquei profundamente amargurado diante de minha TV em 18/01/2012. Como profissional e defensor de nossa cultura jurídica, só posso lamentar ao ver o jornalismo destruí-la junto com a Constituição que com tanta dificuldade foi discutida e promulgada ao fim de um regime militar horrendo. Como cidadão, confesso que estou perplexo e começando a ficar assustado, não com o PT (que é um partido legal e tem agido rigorosamente dentro dos limites admitidos pela cultura político-partidária brasileira), mas com este telejornalismo rasteiro, destrutivo, partidarizado que parece querer fomentar não a civilidade e o respeito à nossa lei, mas a guerra civil com recurso a teorias jurídicas ultrapassadas e importadas de um regime autoritário que até os russos sepultaram.
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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]


Fonte: Observatório da Imprensa


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Até onde caminhar com nossa
imbecilidade


O primeiro mês do ano em que o mundo acabará teria tudo para ser algo insosso, comum aos janeiros. Entretanto, este janeiro ratifica que o fim do mundo está próximo ou é bem possível que o mundo já tenha até acabado e nós não nos demos conta disso.
Após Michel Teló ter sido elevado ao panteão da cultura brasileira pela revista Época, a sociedade tupiniquim passou a semana discutindo dois assuntos de suma importância para o crescimento e a soberania nacionais. O que será feito para as próximas chuvas não matarem mais pessoas? Não! Como serão as composições políticas para as eleições municipais de outubro já com a reforma ministerial prometida pela presidente Dilma Rousseff? Não! Como o Brasil crescerá economicamente diante da eurocrise? Não!
A sociedade nacional foi compelida a discutir sobre um possível estupro na casa do BBB e todos conhecemos Luíza, aquela que estava no Canadá. É bem provável que eu esteja ficando (ainda mais) rabugento devido à idade, mas fico imaginando como a mídia hegemônica tem a capacidade de criar fatos ou “memes” para desviar a atenção das pessoas sobre assuntos que efetivamente importam.
Híbrido de BBB e CSI
Alguns amigos perguntaram-me, ao longo da semana, o que eu achava do “suposto estupro” no BBB. Inicialmente, nego-me a falar sobre lixo, mas tudo é possível vindo da emissora que patrocina a atração. Para a Globo, que já manipulou eleições e que já derrubou ministros, o que seria um estupro para quem já f... (me perdoem a palavra) o país? Sua programação é voltada para a mumificação de pessoas e consequente extração do cérebro e da capacidade de raciocínio.
O episódio do estupro, em si, parece-me mais uma jogada de marketing. Caso o fato tenha sido consumado, deveria existir uma investigação dentro do que está escrito lá no Código Penal. E se aqui fosse um país sério, a atração teria sido tirada do ar, todos os participantes, o apresentador e os demais envolvidos seriam intimados a depor, inclusive e obviamente, o possível criminoso.
Parece, porém, ter sido tudo de mentirinha. Sabe como é: programa cansativo e repetitivo. Ibope em queda. O que fazer? Inventar algo escandaloso. O dinheiro paga tudo porque o Ibope sobe e depois aparecem aquelas desculpas esfarrapadas que evaporam na memória curta do povo brasileiro. Seja como for... com estupro ou sem estupro, espero que desta vez a “atração” global caia em desgraça e que nunca mais volte. Mas conhecendo nosso povo, “cultura”, costumes etc., é bem provável que criem um híbrido deBBB e CSI.
É este o país que queremos?
Nos anos 60, Andy Warhol, uma mistura de gênio e mago – que criou a seminal banda Velvet Underground – afirmou que todos teriam seus quinze minutos de fama. A personalidade instantânea da semana é Luíza Rabello. Quem? Luíza, aquela que estava no Canadá.
Uma adolescente, que estava no país da América do Norte fazendo intercâmbio, vira hit na internet por conta de um comercial protagonizado pelo seu pai Gerardo Rabello, um colunista social da Paraíba. Uma frase pinçada a esmo e totalmente fora do contexto do comercial dá fama e grana a uma bela moçoila no frescor dos seus 17 anos. Ela já voltou do Canadá para aproveitar. Tirou fotos, fez comerciais, foi entrevistada na TV e não duvido que, ao completar 18 anos, alguma revista masculina mostrará suas belas e viçosas curvas.
Todas as frases da semana, via Twitter, Facebook, TV, show, vinha com o pegajoso bordão: “Todos, menos Luíza, que está no Canadá.” É engraçado até certo ponto. Também não sejamos tão radicais. Eu mesmo fiz algumas ironias com o “meme”. Mas é preciso que se faça um exame de consciência para avaliarmos até onde é capaz de caminhar nossa sociedade. É este, enfim, o país que queremos?
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[Sylvio Micelli é jornalista]


Fonte: Observatório da Imprensa