26 novembro 2011

BRASIL

O denuncismo hipócrita


Por Mino Carta


O ministro Lupi segura ainda, com fervor, a sua pasta, para a contrariedade de quem já o queria fora do governo, obediente às denúncias da mídia nativa. Ocorre que a presidenta não se mostrou obediente na mesma medida, a bem da sua autoridade e do seu governo, e dos cidadãos em geral.
CartaCapital não acredita que o ministro Lupi mereça especiais resguardos, tampouco o jornalismo pátrio especial respeito. Antes de ser refém do denuncismo, Dilma Rousseff mostra saber o que lhe convém, e que é ela quem manda. Os objetivos midiáticos, se de um lado parecem evidentes, de outro causam efeitos aparentemente opostos aos desejados.

José Eduardo Cardozo. E que faz ele aqui?. Foto: Antonio Cruz/ABR
Caso a intenção tenha sido realmente criar problemas para a eleita contra a vontade da mídia, verifica-se que a culatra é obrigada a um novo, constante desgaste. A cada lance da faxina, a popularidade da presidenta cresce. Pretende-se que embatume? Pois fermenta. Dilma, de resto, prepara uma reforma ministerial para o começo do ano próximo e com toda probabilidade o atual ministro do Trabalho figurará entre os substituídos.

Nebulosa é a forma pela qual se constituiu o ministério no período intermediário entre a eleição e a posse. Falou-se de interferências de Lula na escolha de vários titulares, bem como da designação de outros ao sabor de pressões partidárias de sorte a garantir a chamada governabilidade. Que las hay, las hay, é tradição da nossa política, ditada por injunções inescapáveis.
Há nomes que, CartaCapital arrisca-se a crer, não se discutem. Uns já exibiram larga competência na gestão Lula, como, por exemplo, Celso Amorim e Guido Mantega. Outros, firmaram-se sob o comando de Dilma, Mercadante, Tombini, Helena Chagas, exemplos também. Há ainda ministros que não passam de figurantes obscuros, embora lotados em pastas exponenciais. Digamos, o Ministério da Justiça.
Em mais de um episódio, o comportamento de José Eduardo Cardozo me causou perplexidade, ou mesmo sentimentos mais incômodos. Cito um episódio apenas. Foi ele quando deputado federal quem, em companhia do colega Sigmaringa Seixas, comboiou o então ministro Márcio Thomaz Bastos para um jantar com o banqueiro Daniel Dantas na residência brasiliense do então senador Heráclito Fortes. Chamo a atenção dos leitores para o fato de que à época, primeiro mandato de Lula, a mídia denuncista deixou passar o evento em branca nuvem. Ergueu-se somente a voz de CartaCapital.
Basta, para mim, ouvir o nome do orelhudo para padecer de súbitos arrepios. É do conhecimento até do mundo mineral que, condenado em diversas instâncias por tribunais internacionais, Dantas goza de regalias no Brasil. Mesuras. Proteção. Esteve atrás das grandes mazelas, das privatizações de FHC aos ditos “mensalões”. Versátil, financiou tucanos e petistas. Incólume, grampeou meio mundo. Satisfeito agora, em plenitude abrangente, imagino, com o enterro da Satiagraha.
O destino dos ministros de Dilma Rousseff preocupa sobremaneira a mídia nativa, nem um pouco a incomodam os feitos de DD. Como dizem os nossos perdigueiros da informação, Dantas é “todo-poderoso”, destes que moram em “mansões”, talvez no gênero o número 1, porque, “afinal”, é “o dono do pedaço”. E daí? Ele tem recursos e esperteza para comprar a todos, em quaisquer áreas.

Nunca esquecerei que o escritório de advocacia de Márcio Thomaz Bastos, quando ele era ministro, me processou em ação penal movida por Dantas, a -acusar o acima assinado por ter registrado apenas umas tantas verdades factuais. Nunca esquecerei o jantar na casa de Heráclito, e, anos depois, o encontro no Planalto entre Lula e Tarso Genro de um lado, doutro Nelson Jobim e Gilmar Mendes, que prometera chamar às falas o próprio presidente da República. Selaram em santa paz o desterro do honrado Paulo Lacerda, réu por ter oferecido efetivo da Abin às operações da Satiagraha.
Por mais falho que tenha sido o trabalho do delegado Protógenes, as ações criminosas do orelhudo continuam à vista. E como esquecer o que Paulo Lacerda contou a mim diante de testemunhas a respeito de pressões exercidas a favor de Dantas por deputados e senadores e até por um ministro? Os herdeiros da casa-grande unem-se na hora do risco, um cuida dos interesses do outro, nunca daqueles do País. A societas sceleris, hipócrita e feroz, sempre se repete e se renova.
Este gênero de permissividade, de leniência, de envolvimento, se quiserem de hipocrisia ecumênica machuca em mim o jornalista, o indivíduo, o cidadão. •

Fonte: www.cartacapital.com.br 

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Foi a mãe natureza’, diz executivo da Chevron sobre acidente


Redação CartaCapital(*)


Em entrevista concedida após encontro com o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, o presidente da Chevron para África e América Latina, Ali Moshiri, culpou a “mãe natureza” pelo acidente provocado por sua empresa que provocou o vazamento de petróleo no Campo de Frade, na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro.

Vazamento na Bacia de Campos. Foto: Governo do Estado do Rio de Janeiro
“Estamos lidando com a mãe natureza e ela é complicada. Cada parte do reservatório é diferente, mas temos pessoal altamente qualificado trabalhando nisso. Devemos fazer uma avaliação mais detalhada para ter certeza de que não acontecerá de novo”, disse Moshiri, ao citar a complexidade geológica da região.
Segundo o executivo, o vazamento de óleo já foi controlado. Resta agora, disse ele, uma mancha que corresponde à décima parte de um barril de petróleo (cerca de 16 litros). “Esperamos que ela desapareça e acreditamos que a operação foi bem-sucedida.”
Segundo Moshiri, a prioridade da empresa, agora, é selar e abandonar o poço com segurança, o que deve ser feito até meados de dezembro. Ele não quis fazer previsão de quando a empresa voltará a atuar na extração de petróleo no País.
“Isso depende do governo, não seria justo se eu fizesse uma previsão”.
O executivo destacou que a unidade brasileira tem um dos melhores índices de segurança entre todas as operações da companhia no mundo.
Sobre a possibilidade de o governo brasileiro proibir as atividade de exploração da Chevron no país, Moshiri disse que essa é uma decisão governamental e lembrou que a empresa atua em 150 países. “O Brasil é importante, mas se o governo decidir, vamos respeitar”. Segundo ele, a empresa irá revisar as multas que receber dos órgãos brasileiros e “seguir os procedimentos de acordo com regulamentação brasileira”.
O ministro Lobão explicou que a empresa poderá continuar operando nos outros 11 poços que explora no Campo de Frade, mas está proibida de fazer novas perfurações, conforme determinação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). “Até que a agência conclua as suas investigações e possa modificar os seus estudos e as suas determinações, eles continuarão impedidos de perfurar novos poços”.
O ministro espera que a ANP “seja firme, rigorosa, porém justa” na avaliação da responsabilidade da Chevron no acidente. “O Brasil respeita os contratos, mas exige respeito às suas regras internas. Se a agência [ANP] determinou a punição temporária é porque estava no convencimento de que algo precisava ser melhor apurado”, disse o ministro.

O presidente da Chevron para África e América Latina, Ali Moshiri. Foto: Agência Brasil
Também participaram da reunião com o ministro o presidente da Chevron América Latina, Don Stlelling, o presidente da Chevron Brasil, George Buck, e a diretora de Desenvolvimento de Negócios da Chevron Brasil, Patricia Padol.
Petrobras
Na quarta-feira 23, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, em caráter de urgência, pedido do ministro Raimundo Carreiro, para que técnicos do tribunal realizem auditoria para verificar eventuais responsabilidades da ANP e da Petrobras no vazamento.
O pedido de auditoria foi motivada pelo fato de a Chevron não ter identificado o problema e nem cumprido ações de contingência, previstas para esse tipo de ocorrência, de acordo com o ministro Carreiro. O TCU quer saber como é feita a fiscalização sobre planos de emergência das empresas petrolíferas, a cargo da ANP.
O TCU também vai verificar na Petrobras se existe previsão contratual de ressarcimento das despesas da estatal com ações decorrentes do acidente, além de ouvir a empresa sobre os cuidados adotados para que as petrolíferas parceiras exerçam condições efetivas de detecção e de resposta a acidentes ambientais.
O objetivo, segundo comunicado do TCU à ANP e à Petrobras, é prevenir, detectar e responder rapidamente a eventuais desastres provocados pela extração de petróleo e de gás no mar, uma vez que acidentes desse tipo trazem danos ambientais de difícil reparação, além de prejudicarem a imagem do Brasil.
O comunicado do TCU assegura, ainda, que é “urgente a necessidade de aprimoramento e de garantia de efetividade dos meios de prevenção de acidentes ambientais dessa natureza, bem como dos respectivos planos de contingência, especialmente quando se trata da exploração de petróleo por empresas privadas”.

*Com informações da Agência Brasil

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PT, sem a reforma política, um caminho sem volta

Há nove anos no poder, num regime presidencialista de coalizão que tem o poder de agregar todos os vícios do sistema partidário, e como partido profissionalizado que tem de competir com os demais por financiamento privado de campanha, o PT chegou ao seu limite.
por Maria Inês Nassif, em Carta Maior
O quadro eleitoral pós-ditadura envelheceu rapidamente porque nunca foi novo. Os partidos se rearticularam em torno das mesmas bases eleitorais do bipartidarismo, que por sua vez incorporou as mesmas práticas do quadro partidário que começou a se consolidar a partir de 1946, a redemocratização pós-Getúlio. Fugiu a essa regra, na redemocratização, o Partido dos Trabalhadores (PT).
Há nove anos no poder, num regime presidencialista de coalizão que tem o poder de agregar todos os vícios do sistema partidário, e como partido profissionalizado que tem de competir com os demais por financiamento privado de campanha, o PT chegou ao seu limite. Existe uma linha tênue que ainda difere a frente de esquerdas formada no final da ditadura militar do modelito das demais agremiações brasileiras. Aliás, muito sutil. Para o partido da presidenta Dilma Rousseff, a reforma política é uma chance de evitar a vala comum dos partidos tradicionais brasileiros.
Em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente pela primeira vez, o PSDB era um partido pequeno, de quadros e não apenas com uma vocação definida para a negociação, mas em processo de conformação ao neoliberalismo, que se tornava hegemônico globalmente. Ser governo, nadar em direção ao centro, e posteriormente mais à direita, e contar com quadros que deram sustentação ideológica à mudança de rumos do partido que começou social- democrata, facilitaram as alianças necessárias à composição de uma maioria parlamentar sólida.
FHC tinha uma maioria mantida coesa com a ajuda da política tradicional, mas dispunha também de grande convergência de ideias. Fazer um governo do centro à direita , com a característica de unidade ideológica e de similaridade na práticas da política tradicional, foi o achado de estabilidade do governo FHC.
Após a vitória, entretanto, o partido de FHC, com a intenção de amortecer o impacto da aliança com os partidos mais fisiológicos, passou a investir na cooptação de quadros de legendas à sua direita – quadros que não deixaram de ser fisiológicos porque foram para o PSDB, mas, ao contrário, aceleraram a conformação do partido à política tradicional. O PSDB consolidou-se no Norte e no Nordeste graças à ação do “trator” Sérgio Motta que, no comando do partido e do Ministério das Comunicações, fez um trabalho de arregimentação destinado a aumentar rapidamente a bancada e dar maior poder de negociação aos tucanos, na aliança preferencial feita com o então PFL. No Sudeste, o partido comeu o PMDB pelas bordas. No Sul, manteve alguma influência por ter ao seu lado o PMDB.
Era a estratégia de fazer rapidamente um partido grande que, segundo o projeto do grupo original do PSDB, ficaria 20 anos no poder. A porta de entrada era a infidelidade partidária – a possibilidade de mudar de partido sem sofrer punições –, extinta no governo Lula pelo Tribunal Superior Eleitoral, uma decisão ratificada pelo Supremo Tribunal Federal, por provocação dos partidos governistas no governo FHC, que então eram oposicionistas e sofriam o efeito da perda de quadros para a bancada de apoio ao governo petista.
No final de oito anos de mandato, o PSDB havia sido tragado pela política tradicional. Era um partido com quadros nacionais originários do racha do PMDB, em 1988, aos quais se agregaram caciques vindos de outros, em especial no Nordeste. Nos Estados, todavia, estruturou-se absolutamente enquadrado na fórmula de cooptar o chefe político estadual e dar a ele autonomia para arregimentar os donos do poder nos municípios. A política do varejo passou a ser decidida pelos donos do partido nos Estados, a exemplo do que ocorria com o PMDB do qual rachou o tucanato; a política nacional, por “cardeais” que, no governo federal, davam o rumo ideológico do governo, articulavam “por cima” e garantiam a sua base atendendo aos interesses paroquiais de seus líderes estaduais (e nacionais também).
O PT teve um período de consolidação maior antes de chegar ao poder, em 2002, com Lula; e, como foi criado por quadros que militavam fora da política tradicional, sua absorção ocorreu de forma mais lenta. O partido de militância voluntária, no entanto, foi um modelo que começou a ruir nos anos 90; o discurso antiprofissionalização e anti-institucionalização de alguns grupos perdeu ainda mais força a partir de 1995, quando José Dirceu assumiu a presidência nacional, organizou uma burocracia partidária e estruturou profissionalmente o partido para disputar o poder dentro das regras estabelecidas pelas leis, com as devidas adequações às práticas eleitorais e partidárias, inclusive a entrada do PT no mercado de financiamento privado eleitoral, numa realidade em que o custo da disputa pelo voto aumentava de forma geométrica.
Nos dez anos que separaram a posse de Dirceu na presidência do PT do chamado escândalo do “mensalão”, que tirou o seu poder no governo Lula e no PT, o partido viveu um dilema hamletiano: aprendeu a usar o dinheiro e a mensagem publicitária para angariar votos e montou uma estrutura municipal que não apenas capilarizou seus votos, mas ampliou suas fontes de recursos; e de outro lado, submeteu os grupos mais radicais mas ainda os manteve na órbita do partido, “terceirizando” a esses grupos a tarefa de pressionar internamente por decisões de caráter mais programático e orgânico.
O PT completou com Lula oito tumultuados anos de poder, onde assumiu o desgaste pela inserção plena na forma tradicional de financiar partidos, teve de se escorar na popularidade de Lula e completou o ciclo de regionalização. Segundo um parlamentar petista, nos Estados onde o partido tem mais tradição de organização, já está distritalizado – isso quer dizer que, onde tem prefeitos, consegue eleger deputados estaduais e federais. Esse é um indicativo bastante forte de que, do ponto de vista funcional, o partido já opera de forma muito semelhante aos demais.
Proliferam também, Brasil afora, situações onde os grupos do PT mantém-se rachados em relação aos governos estaduais e municipais: dividem-se na escolha dos candidatos, os grupos vencidos se afastam durante a campanha e, na composição com um vitorioso de outro partido, uns grupos ficam, outros vão embora. Isso era impensável no passado, exceto no Rio, onde constantes intervenções da direção nacional mais atrapalharam do que ajudaram a unidade do partido.
Do ponto de vista nacional, existem louváveis tentativas de costurar uma certa organicidade no partido que está há nove anos no poder, mas numa coalizão que vai, a partir dele (com seus setores mais de centro-esquerda e outros à esquerda) até partidos de extrema-direita, convivendo com uma oposição que interrompe o arco de alianças ao tentar situar-se ao centro (embora com muita tendência à direitização). A direção nacional tenta definir uma pauta política do próprio partido, que não esteja atrelada simplesmente às posições de governo, e discute seriamente mudanças na legislação eleitoral e partidária para evitar que quadros ideológicos desapareçam diante da necessidade de fazer caixa de campanha (e portanto atrair o interesse das empresas), e para interromper o processo de favorecimento de lideranças boas de voto e dinheiro, em detrimento dos melhores quadros orgânicos.
Sem a reforma eleitoral e partidária, certamente o PT, como partido de governo num regime presidencialista com as características do nosso, não deixará de crescer. Com uma reforma eleitoral que privilegie o voto distrital, também tem chances de manter um crescimento consistente. Com finaciamento privado de campanha, todavia, deixará de ser em pouco tempo o partido que se diferencia no quadro partidário. Em muito pouco tempo. Está no seu limite.










INTERNACIONAL

A Primavera hesita


Por Gianni Carta

Egito e Síria vivem dias de tensão extrema enquanto o Ocidente e Israel atribuem ao Irã o papel de vilão. Foto: khaled Desouki/AFP
Deflagrada em janeiro, a Primavera Árabe chacoalhou o mundo e seus próximos dias parecem ser definitivos para a estabilidade global. As eleições legislativas marcadas parasegunda-feira 28 no Egito são capitais. Com 85 milhões de habitantes, o país é líder porque é o mais populoso e influente no mundo árabe.
Em decorrência dos choques entre a polícia e manifestantes, o pleito parecia comprometido. Mas, na quinta-feira 24, o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), no poder, chegou a um acordo com os opositores para a formação de um governo de “salvação nacional”. Kamal el-Ganzuri, ex-premier do ditador Hosni Mubarak, deposto em fevereiro, foi encarregado de formar um novo governo.
Resta saber se o povo aceitará a permanência do marechal Hussein Tantawi na chefia do CSFA. Na terça, Tantawi havia feito concessões aos manifestantes, nas ruas desde a sexta-feira. Prometeu um pleito presidencial já em julho de 2012, e não mais em 2013. Também propôs, em discurso televisionado, um referendo sobre a continuação do CSFA no poder.
Paraos manifestantes, os generais a liderar o CSFA são uma extensão do velho regime de Mubarak, dispostos a manter seu poder mesmo após a eventual eleição de um presidente civil. Há, inclusive, quem diga que Tantawi é um Mubarak fardado. Sua presença explica a barbárie a que se entregaram as “forças de segurança”, quando dezenas de pessoas morreram em sete dias de manifestações e milhares ficaram feridas. A repressão não poupou jornalistas, blogueiros e trabalhadores em greve. Segundoa Anistia Internacional, 12 mil civis foram processados em tribunais federais. Pelo menos 13 foram condenados à morte.

O escrutínio do dia 28 será no mínimo tenso, devido também às diferentes tendências dos manifestantes seculares da legenda Irmandade Muçulmana, que se diz moderada, e dos salafitas, radicais islâmicos. O descontentamento com uma provável vitória da Irmandade Muçulmana poderia manter a junta militar no poder. Cenário, é óbvio, que implicaria o dramático retrocesso da Primavera.
Enquanto isso, na quinta-feira 24, aLiga Árabe concedeu um ultimato de 24 horas para a Síria permitir o envio de observadores chamados a monitorar o levante no país. A Liga também pediu ao secretário-geral da Onu, Ban Ki-moon, para que “tome as medidas necessárias”. Caso o ditador Bashar al-Assad -responda de forma negativa, sanções econômicas seriam impostas. Por sua vez, a França sugeriu “zonas humanitárias de proteção” no país, onde, segundo a ONU, 3,5 mil pessoas morreram desde o começo dos protestos, em março.
O drama sírio prolonga-se enquanto Netanyahu prossegue nas suas ameaças. Foto: Louai Beshara/AFP
Para Jon Leyne, correspondente da BBC na Síria, a França (e certamente outros aliados) estaria considerando uma intervenção militar internacional no -país. O que não surpreenderia, em vista das posições belicistas de Nicolas Sarkozy às vésperas das eleições francesas em 2012. Segundo Magid Shihade, professor de Relações Internacionais da Universidade de Birzeit, na Cisjordânia, uma eventual intervenção estrangeira na Síria seria tão errada quanto aquela na Líbia. “Levantes, para darem certo e politizarem as -pessoas, têm de ser -realizados pelo próprio -povo”, avalia Shihade a -CartaCapital.

Nesse contexto turvo, o Irã, em grande parte porque apoia o governo sírio, aparece comoo vilão da história no mundo árabe e no Ocidente. Na quinta-feira, em Praga, o vice-premier israelense, Moshe Ya’alon, declarou: “O Irã é o principal instigador de instabilidade na região”. De fato, Assad, integrante da minoria alauíta, variante dos xiitas iranianos, é apoiado por Teerã, para quem a Síria “representa estabilidade”, como diz o cientista político iraniano Hesam Houryaband. Assad é inimigo de Israele dá apoio ao Hezbollah, movimento xiita com atuação política e militar com sede no Líbano. Houryaband concorda com o vice-premier israelense: “Os dias de Assad estão contados. Mas o regime sucessor poderá não ser melhor, comoestamos vendo em outros países árabes”.
Comose sabe, as pressões sobre o Irã partidas do Ocidente (e de Israel) também se devem ao fato de o país desenvolver um programa nuclear. Teerã, isso é transparente aos olhos de numerosos observadores, não está mais próxima da produção de uma bomba atômica do que em 2003. O novo relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), publicado dia 8, afirma, contudo, “sérias preocupações com as possíveis dimensões militares do programa nuclear do Irã”. Mas é possível confiar na AIEA?
Para Houryaband, “o discurso do presidente Mahmoud Ahmadinejad de destruir Israelnão reflete a política exterior do Irã, e muito menos a posição do seu líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei”. O Irã quer armas nucleares para proteger seu regime. A razão? Ninguém atacará a Coreia do Norte e o Paquistão, ambos com programas nucleares avançados. E Israel-, vale dizer, também é potência atômica, embora jamais tenha confirmado ou desmentido dispor de arsenal nuclear.
Estados Unidos, Reino Unido e outros países ocidentais, incluindo o Canadá, não confiam. Anunciaram, nesta semana, novas e duras sanções econômicas contra o Irã, que afetam a indústria petrolífera e o banco central iraniano. Impassível, o presidente Ahmadinejad disse, em discurso transmitido ao vivo pela tevê estatal, que seu país não recuará em seu programa nuclear.
As novas sanções, vale recordar, chegam na esteira de uma ameaça de ataque unilateral de Israel contra o Irã por conta do relatório da AIEA sobre o programa nuclear do país. E se num primeiro momento o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu parecia não ter conseguido o apoio da chamada comunidade internacional (leia Conselho de Segurança da ONU), agora ficou claro que sua estratégia funcionou até certo ponto. A China, um dos cinco integrantes permanentes do Conselho de Segurança da ONU, vetará sanções contra Teerã. Moscou, outro integrante do Conselho, fará o mesmo. Promete ir além o presidente russo Dmitri Medvedev, que simplesmente avisa defender o Irã em um eventual ataque. Ventos de Guerra Fria? 
Mesmo assim, Netanyahu está em alta. “A retórica de Netanyahu contra o Irã é sempre a mesma. Às vezes dá certo, comoaconteceu agora”, confirma Houryaband.  E tem outro fator a favorecer desta vez o premier israelense: “Barack Obama prometeu que lutaria contra a proliferação nuclear ao ser eleito e, portanto, às vésperas de um pleito presidencial, ele precisa ganhar a aprovação dos hawks (linhas-duras) e, claro, de seus eleitores conservadores”.

Em recente entrevista a CartaCapital, Mokhtar ben Barka, professor de ciências políticas da Universidade de Valenciennes, na França, lembrou que o lobby judeu também é fundamental nas decisões de Obama no Oriente Médio. “Um presidente norte-americano, seja ele -democra-ta, seja republicano, é eleito para defender interesses norte-americanos. Ponto final.” Ainda segundo Ben Barka, um dos principais parâmetros da política norte-americana é a importância do Estado de Israel. “Ninguém, ninguém, pode antagonizar os israelenses e judeus norte-americanos. E é bom lembrar que numerosos judeus norte-americanos financiaram a campanha de Obama.” Ben Barka sublinha que os primeiros 21 bancos norte-americanos “são presididos por judeus”. Em suma, Obama não seria muito diferente de George W. Bush. Conclui Ben Barka: “Quem pensou que o presidente norte-americano seria pró-árabe viveu uma ilusão”.
Netanyahu, alcunhado de “imperador global” numa entrevista a CartaCapital por Ahmad Moussalli, professor de ciências políticas da Universidade Americana de Beirute, vem martelando em entrevistas que o Oriente Médio vai de mal a pior. Parao premier, os extremistas foram os vencedores da chamada Primavera Árabe. Em 23 de outubro, no primeiro pleito democrático realizado na Tunísia em cinco décadas, venceu o -Ennahda, principal partido islâmico. A lei islâmica, sharia, foi decretada na Líbia pelo chamado Conselho de Transição Nacional (CNT). E no Egito, o mais provável é que ganhe em uma eleição marcada por desnecessárias e complicadas leis eleitorais a Irmandade Muçulmana.
Na verdade, o quadro não é tão negro quanto o pinta Netanyahu. Porém, o copo está pela metade cheio ou pela metade vazio? Ben Barka, da Universidade de Valenciennes, acredita que esses partidos islâmicos ditos moderados podem mudar o discurso uma vez eleitos. Por sua vez, Shishade, da Universidade de Birzeit, aponta: “Partidos islâmicos, comooutras legendas, devem poder participar de eleições e do processo político. Isso no mundo árabe e no ocidental. Qualquer partido que respeite a diversidade e não seja racista pode adentrar o tablado político”.
Na Tunísia, o Ennahda, por exemplo, fez uma coalizão com o Congresso Para a República (CPR), agremiação de centro-esquerda, e o Ettakatol, de esquerda. O programa do Ennahda encoraja uma forma do Islã bastante flexível, que, óbvio, pode ter diferentes interpretações. Claro, contudo, é isto: o programa não menciona a lei islâmica.

No Egito, a Irmandade Muçulmana tornou-se muito mais moderada que, por exemplo, os salafitas. Criada em 1928, foi perseguida por Mubarak. No passado lutou contra a ocupação britânica (o que é compreensível) e tentou assassinar o então presidente Gamal Abdel Nasser, em 1954. Mas, ao longo dos anos, tornou-se uma legenda nos moldes do AKP, no poder na Turquia. Contrária à violência, mobilizou milhões de seguidores através de ONGs e sindicatos. Segundo numerosos egípcios, a Irmandade Muçulmana poderia trazer estabilidade ao país.
Está claro, de todo modo, que os militares não pensam da mesma forma. Wash-ington tampouco. O apoio de Tio Sam é, diga-se, fundamental para o -CSFA. -Washingtonenvia anualmente 1,3 bilhão de dólares em ajuda econômica ao Egito e tais remessas continuarão caso o “secretário de Estado se certificar de que o governo egípcio não está sob o domínio de uma organização terrorista”.
Por essas e outras, os militares, comoé de praxe, falam na ameaça de “forças invisíveis”. A estratégia do CSFA, no mínimo perigosa, é dar maior espaço político para salafitas e outros grupos islâmicos extremistas. Ajuda o fato de vários manifestantes secularistas (numerosos deles jovens que iniciaram através de redes sociais os protestos contra Mubarak) não terem uma agenda clara. Uma vitória da Irmandade Muçulmana poderia deflagrar uma guerra religiosa.
Quanto à Líbia, seu caso é mais complexo. Embora a sharia tenha sido decretada pelo CNT, o novo premier Abdurrahim el-Keib formou um governo de secularistas. O grande perdedor chama-se Abdul Hakim Bilhaj, herói dos rebeldes. Bilhaj, diga-se, manteve elos com a Al-Qaeda e esteve preso na Líbia e em Guantánamo. O presidente Mustafa Abdul Jalil, o mesmo a pregar a inserção da sharia na nova Constituição, quer, claro, agradar ao Tio Sam. O futuro dos novos regimes árabes, cada um com suas -particularidades, é uma incógnita.

Fonte: www.cartacapital.com.br 


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"Sindicatos espanhóis estão recebendo ataque sem precedentes"

Em entrevista exclusiva à Carta Maior o coordenador geral da Izquierda Unida, Cayo Lara, explica quais serão as prioridades da esquerda no novo parlamento, como acompanharão os movimentos de protesto que irromperam na sociedade civil e qual será o papel que vão desempenhar junto aos sindicatos e ao 15- M – o ativo movimento de “Indignados”, que colocou um deputado entre as fileiras da IU - para rejeitar as previsíveis medidas neoliberais que o Partido Popular colocará em prática no governo espanhol.

No domingo passado, em meio à pior crise econômica das últimas décadas, a Espanha escolheu um novo governo. A contundente vitória da direita teve seu contrapeso no vertiginoso crescimento da Izquierda Unida, que passou de ter dois deputados a formar bancada própria com 11 cadeiras. 

Nesta entrevista exclusiva para Carta Maior o coordenador geral do movimento e candidato a presidente do governo Cayo Lara explica quais serão as prioridades da esquerda no novo parlamento, como acompanharão os movimentos de protesto que irromperam na sociedade civil e qual será o papel que vão desempenhar junto aos sindicatos e ao 15-
M – o ativo movimento de “Indignados”, que colocou um deputado entre as fileiras da IU - para rejeitar as previsíveis medidas neoliberais que o Partido Popular colocará em prática quando Mariano Rajoy assumir o governo. 

- Como avalia os resultados do domingo passado? A que se deve fundamentalmente o sucesso obtido pela Izquierda Unida, que conta novamente com bancada no Parlamento nacional?

Os resultados têm um importante aspecto negativo e acontece que o Partido Popular, que representa a direita, obteve a maioria absoluta, o que lhe dá a possibilidade de aplicar as políticas neoliberais que o FMI e a Comissão Européia recomendam. Mas deve-se considerar que o Partido Socialista já tinha sido um fiel escudeiro para estas políticas e tinha se submetido a todas as exigências dos mercados.

A Izquierda Unida teve um grande sucesso ao passar de 2 para 11 deputados, apesar de uma Lei Eleitoral injusta que faz com que um deputado eleito nas listas da IU precise 2,5 vezes o número de votos que os deputados da maior parte das restantes formações. Mas a IU fez uma análise séria da crise, explicou as conseqüências das políticas neoliberais, divulgou uma alternativa de solução baseada em políticas de criação de emprego e estímulo da economia e, sobretudo, esteve presente em todas as mobilizações em defensa do emprego, da moradia, dos serviços sociais e prestou atenção às demandas do movimento dos “indignados”.

- Estão tranqüilos com estes resultados ou esperavam colher mais votos descontentes entre as fileiras socialistas?

Os resultados responderam aos objetivos que tínhamos planejado e todos eles foram atingidos. Essencialmente era ter grupo próprio no Congresso e que esse grupo fosse numeroso. Éramos conscientes das dificuldades propostas pela Lei Eleitoral, que o PSOE se negou a modificar apesar de que abria a porta para a maioria absoluta da direita.

Houve uma importante migração de votos do Partido Socialista e também um interessante respaldo entre os jovens que votavam pela primeira vez. Mas era previsível que muitos eleitores decepcionados se refugiassem na abstenção. O PP apenas aumentou seu respaldo em pouco mais de 500.000 votos.

- Alguns meios de comunicação insinuaram que a IU não tirou mais votos do PSOE porque os votantes socialistas não gostam que a IU diga que o PSOE e o PP são a mesma coisa. Você acha que isto é assim mesmo ou pensa que se interpelou corretamente aos votantes de esquerda nestas eleições?

A Izquierda Unida não disse que o PP e o PSOE são a mesma coisa, mas que fizeram as mesmas políticas, especialmente as políticas econômicas e sua coincidência no modelo de saída da crise. Precisamente uma das diferenças que existem entre o PP e o PSOE, sem dúvida a mais importante, é que suas bases sociais e eleitorais são muito diferentes. Com esse critério nos dirigimos ao eleitorado decepcionado do PSOE e acredito que obtivemos um resultado satisfatório, apesar de que a direção do PSOE e os meios de comunicação que são seus aliados tentaram abrir uma trincheira com argumentos pouco políticos e nada programáticos para evitar a migração de votos. 

- Que passos a IU seguirá nos próximos meses, levando em conta que é muito provável que o PP coloque em prática um severo programa de ajuste que trará consigo uma forte resposta social? Como pensam acompanhar este processo?

Nós vamos propor uma oposição aguda às políticas neoliberais e a qualquer decisão que signifique ajustes e recortes. Vamos fazê-lo no Parlamento e também na rua, com os sindicatos e os movimentos sociais.

- Nos últimos tempos surgiram na Espanha diversos movimentos cidadãos que se opõem a diferentes situações resultadas da crise. Desde os que estão contra os despejos bancários até os que pedem maior participação com uma lei eleitoral diferente. Qual será a estratégia da IU para acompanhar estes movimentos no seu novo papel no Parlamento nacional? 

Muitas destas reivindicações são antigas para a Izquierda Unida e constituíram uma parte importante do nosso trabalho nas instituições representativas. No futuro, com maior força, seremos uma autêntica ponte para levar ao Parlamento o que as ruas estão demandando.

- Diferente de outras ocasiões, o PSOE aparece neste momento muito debilitado pelo que aconteceu, até o ponto de perder a sua identidade de esquerda perante suas bases. Você acha que este é um fenômeno conjuntural ou é provável que o Partido Socialista tenha entrado em um profundo declínio do qual terá muita dificuldade para sair?

Eu acho que não é um problema conjuntural e que o PSOE deverá fazer uma reflexão muito profunda sobre o papel que desempenhou e que deve desempenhar perante a crise do sistema. Mas nós respeitamos esse debate e não queremos imiscuir-nos nele.

- Que alternativas econômicas a IU irá propor no parlamento para sair da crise atual?

Serão as mesmas que propusemos aos eleitores na campanha. Políticas de estímulo para criar emprego e para incentivar a economia real. Isto, que representa um aumento do gasto público e do investimento, não deve ser trasladado ao aumento do déficit e da dívida. Portanto, é necessária uma reforma fiscal justa e uma luta séria contra a economia clandestina e o fraude.

De imediato, devem ser tomadas medidas para frear a perda de emprego, proteger os trabalhadores e trabalhadoras desempregados, e parar com os despejos de sua moradia dos desocupados que não podem pagar a sua hipoteca. 

- De que forma a IU se relacionará a partir de agora com o movimento "15-M"?

Vamos manter o mesmo tipo de relações que mantivemos até agora. Respeito mútuo e apoio as suas reivindicações. Algumas das pessoas ativas no movimento fizeram parte das candidaturas da IU e uma delas foi eleita deputado.

- O que você acha que a IU deveria fazer agora para se instalar, visando às próximas eleições, como uma verdadeira alternativa de poder?

Traçamos um objetivo estratégico muito claro: trabalhar para obter a hegemonia no seio dos trabalhadores, dos setores populares e da esquerda. Fundamentalmente se trata de uma hegemonia no campo das idéias, que deverá ter a sua tradução no terreno da política e dos resultados eleitorais.

- Você acha que é necessário reformar a lei eleitoral? Por que motivos e através de que estratégias a IU se propõe instalar na sociedade a necessidade desta reforma?

Certamente deve ser feita uma reforma profunda na Lei em duas direções. A primeira é que cada voto tenha o mesmo valor de representatividade institucional, isto é que cada deputado seja obtido com um número de deputados equivalente. A segunda, que se habilitem medidas mais eficazes de participação e consulta direta aos cidadãos: orçamentos participativos, consultas em referendos vinculantes das questões transcendentais, etc.

- Esta crise evidenciou que a Alemanha e a França são os que têm as rédeas na Europa e atuam como representantes dos grandes capitais financeiros que estão lucrando com a especulação em torno da dívida soberana. É possível uma alternativa política neste contexto que não implique em abandonar a União Européia ou se enfrentar diretamente com os países mais poderosos do continente?

É possível, mas para isso deve haver uma mudança na correlação de forças na Europa. Nisso há uma grande ajuda: nenhuma das medidas adotadas até agora pelo neoliberalismo está obtendo resultados. Objetivamente falando, construir a Europa já é construir outra Europa porque esta não é viável.

- Que papel você acha que os sindicatos desempenharão na hora de se opor às próximas medidas de ajuste e como a IU acompanhará esse processo?

Os sindicatos de classe estão recebendo um ataque sem precedentes da direita e de seus meios de comunicação. A Izquierda Unida irá defender os sindicatos como um baluarte imprescindível na defesa dos interesses dos trabalhadores e irá exigir o respeito ao seu papel fundamental estabelecido na Constituição. Desde já, vamos apoiar a tramitação da Iniciativa Legislativa Popular apresentada contra a reforma trabalhista aprovada pelo governo anterior.



Fonte: www.cartamaior.com.br 


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DEBATE ABERTO

Europa: duas portas para o mesmo impasse

Tanto a solução eleitoral quanto a solução tecnocrática se estribam em vender a idéia mais que surrada na Ásia, na América Latina e até nos Estados Unidos de que os cortes em despesas irão automaticamente favorecer a expansão econômica e "acalmar" a besta-fera, o Mercado.

Num ensaio famoso, “Da vingança”, em Tese e antítese (1971), o professor Antonio Candido analisou a analogia entre o comportamento do personagem Edmond Dantès, do romance O Conde de Monte Cristo (1844), de Alexandre Dumas, Pai, e a visão romântica do capitalismo então em ascensão.

Dantès é um personagem que percorre quase toda a escala social em sua trajetória: trabalhador aplicado, depois condenado, prisioneiro, fugitivo, associado a ladrões, por fim um poderoso e riquíssimo homem a quem tudo é permitido e que se permite tudo, na busca da vingança contra os que destruíram sua vida. A vingança estrutura sua vida, fá-lo romper todos os compromissos com tudo, para se concentrar apenas nela, até seu final patético, que não vou contar: quem já leu não precisa disso, quem não leu, vá ler esse livro delicioso e excepcional (o ensaio do prof. Candido também).

Pois algo do que acontece hoje na Europa me lembra essa “estrutura da vingança” – sem a grandeza trágica de Dantès, é claro, mas com efeitos igualmente catastróficos. A situação de crise permanente e de falta de alternativas à política imposta pelo “Consenso de Bruxelas”, combinando contenção fiscal (a chamada “austeridade”) com recessão e demolição de direitos e políticas sociais, parece excitar o “pequeno Dantès” nos eleitores, que então se entregam a processos de “vingança”, derrubando o que têm pela frente, sejam os conservadores na Dinamarca, os trabalhistas na Inglaterra, ou os socialistas na Espanha e Portugal, para dar alguns exemplos.

Essa agitação e esse clima de “acerto de contas” – que se manifesta na troca de votos de um partido para o outro, ou na abstenção para prejudicar o “seu” partido preferencial, se houvesse, não adianta muito, nem faz a gangorra sair do lugar. Haja vista o que aconteceu (ou deixou de acontecer) com a eleição de Mariano Rajoy e seu PP para o governo de Madri: o “custo Espanha” dos juros para rolar a sua “dívida soberana” continua e vai continuar altíssimo. Os mercados continuam insaciáveis, e o “Consenso de Bruxelas” também. 

Como disse o editorial do “El País” nos tempos recentes nunca ninguém teve tanto poder na Espanha quanto Rajoy, mas ninguém teve tão pouca margem de manobra quanto ele também. Ele está lá para fazer o que o BCE, Bruxelas e a cartilha do FMI mandam. E ponto final. A eleição espanhola veio apenas consolidar a política recessiva e comando de Bruxelas e Frankfurt pela batuta das necessidades dos bancos credores, sobretudo alemães e franceses. Mas isso também não traz folga: o sistema bancário francês continua por um fio, o alemão tem vários fios mas também está na UTI aguardando soro. Em outras palavras: a “estrutura da vingança” pode muito bem pegar Sarkozy no ano que vem e Ângela Merkel em 2013, senão antes, no “efeito gangorra” que ela traz. E a recessão, no dizer da chanceler, veio para ficar por pelo menos 10 anos. Não há alternativa.

Mas há outra porta. De saída? Vejamos. A outra porta é a de não confiar nos eleitores, e introduzir mudanças “manu econômica”, ou seja, recentemente dois governos caíram sem cair. Nas votações que passaram (no Parlamento, não nas urnas), conseguiram passar raspando, tanto no caso do simpático Papandreou na Grécia quanto no do burlesco Berlusconi na Itália, mais aquele do que este. Mas caíram porque o vento de Bruxelas (e de Paris e de Berlim e de Frankfurt) mandou que caíssem. Foram substituídos pela “solução tecnocrática”, os interventores de “acima dos partidos políticos” que vão passar a reger os destinos das nações também de “bem acima dos eleitores”. Na bagagem, o mesmo pacote de medidas para aprofundar a recessão, a contenção de investimentos, a quebra de direitos, e a razzia sobre o número de empregos. A outra porta leva ao mesmo descaminho, ao mesmo impasse. Porque ela existe também para mostrar que não há alternativa.

Esse, na verdade, é o aspecto mais patético da questão. Tanto a solução eleitoral (se hoje Verdes e Social-democratas substituíssem a coligação CDU/CSU/FDP em Berlim, o caminho não seria muito diverso) quanto a solução tecnocrática se estribam em vender a idéia mais que surrada na Ásia, na América Latina e até nos Estados Unidos de que a combinação de que cortes em despesas irão automaticamente favorecer a expansão econômica – promovendo a auto-confiança nos eleitores, nos consumidores, nos executivos e “acalmando” a besta-fera – o Mercado, o novo Moloch que devora não apenas criancinhas, mas também empregos, adultos e aposentados. E que tudo isso trará “estabilidade”.

Ou seja, tanto numa porta como na outra o que temos são sacerdotes do Mercado rezando a mesma ladainha de crendice crendeira, propagando a mesma fantasia ou superstição nos poderes autorreguladores da desvairada economia financeirizada como a panacéia universal – contra todas as evidências mundiais reunidas a respeito, da Malásia a Reykjavik, de Brasília a Buenos Aires, e contra todas as evidências das catástrofes que esse ideário produziu nos cinco continentes (e produziria na Antártida se lá Mercado houvesse).

Enquanto isso, a confiança mútua e a autoconfiança vão se erodindo, e na Europa, ao mesmo tempo em que se reafirma retoricamente a necessidade de fortalecer a União Européia, se dá lenha para a fogueira das disputas nacionalistas internas (o que, neste continente, é uma bomba relógio) entre países agora agrilhoados não mais a seus exércitos, mas a seus bancos e às agências de classificação das dívidas.

Enfim, um desastre com duas entradas e nenhuma saída, pelo menos no curto prazo, porque o movimento furioso das ruas até o momento esbarra na surdez parlamentar ou na voz em surdina da “maioria silenciosa”, entregue à “estrutura da vingança” e ao imobilismo do “efeito gangorra”. 

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.




Fonte: www.cartamaior.com.br 




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DEBATE ABERTO

O que está em jogo

Devíamos, desde já, começar a preparar o cenário B, uma saída deste euro, a sós ou juntamente com outros países, com o argumento, que os fatos comprovam, de que, com ele, as desigualdades entre países não cessarão de aumentar. A auditoria da dívida será um sinal da seriedade dos nossos propósitos.

O verniz estalou. O aprofundamento da crise europeia tornou possível uma nova radicalidade e uma nova transparência. Até há pouco, eram consideradas radicais as posições daqueles que se opunham à intervenção e às receitas da troika por razões de soberania, de democracia e por suspeitarem que a crise era o pretexto para a direita aplicar em Portugal a “política de choque” das privatizações, incluindo as da saúde e da educação. Propunham a desobediência ao memorando em face do desastre grego ou pediam uma auditoria da dívida para retirar dela parcelas de endividamento ilegítimas ou mesmo ilegais. Eram consideradas radicais porque punham em causa a sobrevivência do euro, porque desacreditavam ainda mais o nosso país no contexto europeu e internacional, porque, se fossem aplicadas, produziriam um desastre social, precisamente o que se pretendia evitar com o memorando.

O aprofundamento da crise está a dar azo a uma nova radicalidade que, paradoxalmente, e ao contrário da radicalidade anterior, parte da estrita obediência à lógica que preside à troika e ao memorando. Comentadores
do Financial Times e políticos dos países do Norte da Europa defendem o fim do euro, porque afinal o “euro é o problema”, propõem um euro para os países mais desenvolvidos e um outro para os menos desenvolvidos, defendem que a saída do euro por parte da Grécia (ou de outros países, subentende-se) pode não ser uma má ideia desde que controlada, e defendem, finalmente, a permanência do euro na condição de os países endividados se renderem totalmente ao controle financeiro da Alemanha
(federalização sem democracia). Ou seja, a radicalidade tem hoje duas faces e isto talvez nos permita uma nova transparência quanto ao que está em jogo ou nos convém.

A transparência do que se omite é tão importante quanto a do que se diz. Em ambos os casos ocorre porque os interesses subjacentes estão... à superfície. A transparência do que se omite. Primeiro, não é possível voltar à “normalidade” no atual quadro institucional europeu. Neste quadro, a União Europeia caminha inevitavelmente para a desagregação. Depois da Itália, seguir-se-ão a Espanha e a França. Segundo, as políticas de austeridade, para além de injustas socialmente, são não só ineficazes como contraproducentes. Ninguém pode pagar as suas dívidas produzindo menos e, por isso, estas medidas terão de ser seguidas por outras ainda mais gravosas, até que o povo (não tenhamos medo da palavra), o povo fustigado, sofrido, desesperado diga: “Basta!” Terceiro, os mercados financeiros, dominados como estão pela especulação, nunca recompensarão os portugueses pelos sacrifícios feitos, já que não reconhecer a suficiência destes é o que alimenta o lucro do investimento especulativo. Sem domar as dinâmicas especulativas e esperando que o mundo faça o que pode e deve começar a ser feito a nível apenas europeu, o desastre social ocorre tanto pela via da obediência como pela via da desobediência aos mercados.

A transparência do que nos convém. Falo dos portugueses, mas o meu “nós” envolve os 99% dos cidadãos e todos os imigrantes do Sul da Europa e envolve todos os europeus para quem uma Europa de nacionalismos é uma Europa em guerra e para quem a democracia é um bem tão exigente que só faz sentido se, ele próprio, for distribuído democraticamente. Qualquer solução que vise minimizar o desastre que se aproxima deve ser uma solução europeia, ou seja, uma solução que deve ser articulada com, pelo menos, alguns países do euro.

São duas as soluções possíveis. A primeira, que é o cenário A, consiste em fazer pressão, articuladamente com os outros países “em dificuldade”, no sentido de se alterar a curto prazo quadro institucional da UE de modo a que se torne possível mutualizar a dívida, federalizando a democracia. Isto implica, entre outras coisas, dar poderes ao Parlamento Europeu, fazer a Comissão responder perante ele e eleger diretamente a presidência. Implica também uma política industrial europeia e a busca de equilíbrios comerciais no interior da Europa. Por exemplo, a Alemanha, que tanto exporta para a Europa, deverá importar mais da Europa, abandonando o mercantilismo da sua procura incessante de excedentes? Para tal ser possível é preciso uma política aduaneira e de preferências comerciais intraeuropeias, assim como uma refundação da Organização Mundial do Comércio, aliás já hoje um cadáver adiado, no sentido de começar a construir o modelo de cooperação internacional do futuro: acordos globais e regionais que, cada vez mais e sempre na medida do possível, façam
com que os lugares de consumo coincidam com os lugares de produção. 

Implica também uma regulação financeira prudente a nível europeu que passa por um mandato pósneoliberal para o Banco Central Europeu (mais poderes de intervenção com base em mais controlo democrático nas
estrutura e no funcionamento). Esta solução contrapõe-se frontalmente à solução autoritária proposta pela Alemanha, que consiste em submeter todos os países à tutela alemã, como contrapartida dos eurobonds ou de outro mecanismo de europeização da dívida. Esta rendição ao imperialismo alemão significaria que, na Europa, só tem direito à democracia quem tem dinheiro.

O cenário A é exigente e exigiria que, desde já, e apesar dos limites do atual mandato, o BCE assumisse um papel muito mais ativo para assegurar o tempo de transição. A prudência recomenda, no entanto, que a hipótese de tal cenário falhar seja prevista e considerada seriamente.

Devíamos por isso, desde já, começar a preparar o cenário B, uma saída deste euro, a sós ou juntamente com outros países, com o argumento, que os fatos comprovam, de que, com ele, as desigualdades entre países não cessarão de aumentar. A auditoria da dívida será um sinal da seriedade dos nossos propósitos. Os custos sociais da solução B não são mais altos quanto os custos do falhanço da solução A e permitem, pelo menos, ver uma luz ao fim do túnel.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).



Fonte: www.cartamaior.com.br