22 setembro 2011

BRASIL - Parte I

BRASÍLIA – Depois de 1,2 mil dias, a Câmara deve concluir, nesta quarta-feira (21), a votação de projeto que impõe gastos mínimos em saúde por parte do governo federal, estados e prefeituras. E, mesmo sabendo que seriam necessários mais R$ 45 bilhões anuais para que o modelo de saúde gratuito e universal previsto na Constituição funcione melhor, os deputados tendem a rejeitar a criação de um imposto destinado ao setor.

A estimativa de déficit financeiro do Sistema Único de Saúde (SUS) foi apresentada à Câmara nessa terça-feira (20) pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, durante debate no plenário em formato de “comissão geral” - qualquer um pode participar, não só parlamentar. “Vai ser fundamental ter mais financiamento para a saúde”, disse.

Numa apresentação de 50 minutos, o ministro esforçou-se por mostrar o que o governo faz para melhorar a gestão, algo sempre invocado pelos adversários de um novo imposto como iniciativa que ajudaria a qualificar o SUS.

Enfatizou o gigantismo do SUS, com números como a quantidade de procedimentos anuais (3,2 bilhões) ou de transplantes realizados (21 mil, aó perde para os Estados Unidos).

Citou que pesquisas de opinião costumam revelar que a saúde lidera o ranking de preocupações dos brasileiros – é a área de pior avaliação do governo, embora mais de 70% dos usuários do SUS aprovem-no. Comparou as despesas brasileiras (menores) com a de outros países (maiores).

Disse ainda que o modelo concebido em 1988 precisa ser reorganizado, porque o Brasil está muito diferente – é o país cuja população mais envelheceu em 10 anos. “Para dar conta dessa nova realidade, nós precisamos ter uma política que garanta investimentos crescentes”, disse.

A exposição tentou sensibilizar deputados para a necessidade de contornar a debilidade financeira do SUS. A insuficiência orçamentária apontada pelo ministro significa um terço do caixa atual – no ano passado, segundo o ministério, a despesa conjunta de todo o setor público com saúde foi de R$ 138 bilhões.

Estados e municípios
No debate, a posição de Padilha foi endossada e reforçada por dois secretários de saúde que ali estavam a representar, como vice-presidentes, os conselhos estadual e municipal do setor.

“Se não tivermos dinheiro novo, vamos frustrar expectativas”, disse Michele Caputo Neto, secretário no Paraná, estado administrado por partido adversário do ministro, o PSDB. “Tem de melhorar a gestão, mas não tenha dúvida de que, hoje, o ponto central é o subfinanciamento”, disse Gustavo Couto, secretário em Recife, cujo prefeito é petista como Padilha.

Embora ministro e secretários houvessem defendido mais dinheiro à saúde, tinham usado apenas palavras como “financiamento” ou “subfinanciamento”. Nenhum arriscara-se a pronunciar “imposto” ou “tributo” novo.

O silêncio foi quebrado pelo economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flavio Castelo Branco, convidado a participar da comissão geral pelo PSDB. “O financiamento à saúde deve se dar com recursos que já existem. Não há necessidade de criar novo tributo ou de elevar tributo já existente”, disse.

Ele sustentou a argumentação com duas pesquisas da entidade. A primeira, encomendada ao Ibope, mostra que, para os brasileiros, a saúde melhora com gestão, não com dinheiro. A segunda, feita pela própria CNI, indica que os industriais reprovam o atual sistema tributário.

Antes mesmo do economista, assessores da CNI haviam distribuído cópias da segunda pesquisa dentro do plenário da Câmara, para deputados e jornalistas.

Xadrez político
Quando chegara, enfim, a hora de líderes partidários e deputados se manifestarem na comissão geral, houve uma unanimidade: a saúde precisa, de fato, de mais dinheiro. Mas o caminho apontado para enfrentar o problema variou de acordo com a posição do orador no xadrez político. Se mais à esquerda ou governista, simpático a imposto novo. Se mais à direita ou na oposição, a favor de combate a desperdício ou desvios.

“Os pobres merecem uma saúde de melhor qualidade (…) Por isso, vamos prosseguir nesse debate e propor uma fonte segura para a saúde”, disse o líder do PT, Paulo Teixeira (SP).

“Há subfinanciamento da saúde. Mas governar é escolher. Vamos rejeitar a recriação do imposto do cheque”, rebateu o líder do PSDB, Duarte Nogueira.

“Se não temos ambiência [sic] para votar a CSS [o imposto novo], temos que avançar sobre outras fontes”, afirmou, em nome do PCdoB, a deputada Jandira Feghali (RJ).

“A resposta não é com um novo imposto, é priorizar a saúde pública”, contestou o líder do PPS, Rubens Bueno (PR).

“A doença crônica da saúde brasileira é essa do financiamento”, disse o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ).

“O que temos de fazer é a gestão [melhor] de recursos abundantes [no orçamento]”, contra atacou o líder do bloco PSDB-DEM-PPS, Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG).

Um dos partidos que mais pressionam pela votação do projeto engavetado há mais de três anos, o PMDB, que em fórum recente decidiu explorar a bandeira da saúde nas eleições municipais no ano que vem, exibiu no debate sua conhecida heterogeneidade.

O coordenador da Frente Parlamentar da Saúde, Darcísio Perondi (PMDB-RS), falou mais como oposicionista. “Dinheiro [no orçamento], tem. É uma questão de escolha governamental.”

Já o deputado e ex-ministro da Saúde Saraiva Felipe (MG), ao discursar em nome da liderança do PMDB, quedou-se mais ao governismo. “Nós precisamos de dinheiro para salvar o SUS”, afirmou.

Tendência
Pouco antes do fim do debate, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), deu uma entrevista à imprensa para resumir o sentimento médio dos deputados sobre a situação na saúde. “Não há clima para criar imposto para a saúde ou qualquer outra política pública”, disse.

Sem clima – ou disposição - para aprovar um imposto novo só para a saúde, o que a Câmara vai fazer, ao concluir a votação do projeto, explica uma autoridade envolvida diretamente nas negociações, é “tirar um peso das costas” e “jogá-lo para o Senado”.

A proposta que deve ter sua votação encerrada na Câmara nesta quarta-feira (21) foi apresentada por um senador, o médico Tião Viana (PT), hoje governador do Acre. O texto original não criava um imposto. A chamada Contribuição Social para a Saúde (CSS), uma espécie de CPMF mas com alíquota de 0,1%, não 0,38%, foi sugerida na Câmara.

O projeto empacou na Câmara, em junho de 2008, quando o DEM pediu para que a CSS merecesse uma votação específica, separada do restante do projeto. É isso que vai acontecer nesta quarta.

Encerrada a votação, a proposta voltará ao Senado, que examinará as alterações feitas pelos deputados.



Frente pressiona Câmara a concluir
aprovação do fim do voto secreto


Najla Passos - Especial para a Carta Maior


BRASÍLIA - Pressionados pela sociedade depois da absolvição da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), que foi flagrada em vídeo recebendo dinheiro antes de ser eleita, mais de 200 deputados e senadores assinaram manifesto de lançamento da Frente Parlamentar em Defesa do Voto Aberto, nesta terça-feira (20/09).

O objetivo principal da Frente é forçar o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), a botar em votação definitiva uma mudança na Constituição que acaba com o voto secreto no Congresso.

Atualmente, há votação secreta para que Câmara e Senado julguem parlamentar acusado de quebra de decoro, para que as duas Casas, em sessão conjunta, decidam sobre vetos presidenciais a leis aprovadas pelo Legislativo, e para que o Senado vote indicações para alguns cargos no governo e para embaixadas.

O projeto foi apresentado em 2001 pelo então deputado Luiz Antonio Fleury (PTB-SP). Foi aprovado em primeiro turno, no plenário da Câmara, em setembro de 2006, por unanimidade (383 votos a favor e nenhum contra). Como muda a Constituição, teria de passar por uma segunda votação, o que até hoje não aconteceu.

“As votações de emendas à Constituição são, por lei, feitas em regime aberto. Na pior das hipóteses, ficaremos sabendo quais são as forças que impedem o avanço da democracia”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), um dos líderes da Frente.

Segundo ele, caso Marco Maia não coloque o projeto em votação, a Frente buscará outras formas de pressão. “O deputado Marco Maia, inclusive, assina o manifesto. Esperamos que ele coloque a matéria em votação imediatamente. Do contrário, iniciaremos, já na próxima semana, uma série de atividades de mobilização da sociedade civil organizada para ajudá-los a pressionar”.

Signatário da Frente, o deputado Roberto Santiago (PV-SP) lembrou que o grupo possui número expressivo, o que sinaliza as possibilidades favoráveis à aprovação do projeto. Uma alteração da Constituição requer pelo menos 307 votos. “Essa Frente já nasce forte”, observou.

Também signatária, a deputada Luíza Erundina (PSB-SP) afirmou que a imagem da Casa está muito desgastada, depois da votação secreta que absolveu Jaqueline Roriz. “Precisamos dar uma resposta rápida à sociedade e mostrar que a Câmara também não tolera mais corrupção”, disse.

Coordenador de Frente de Combate à Corrupção, o deputado Francisco Praciano (PT-AM) aproveitou o ato de lançamento para pedir o apoio dos presentes para a luta contra a corrupção que, segundo ele, não tem conseguido o devido espaço na Câmara dos Deputados. “São muitos os projetos que estão estagnados e que poderiam dar uma resposta positiva à opinião pública”, afirmou.

Apoio popular
Representantes de movimentos populares de combate à corrupção e pela ética na política, entidades de classe e sindicatos apoiaram a reabertura da Frente, que reúne parlamentares de todos os partidos.

"Essa iniciativa é muito válida porque demonstra que estamos conseguindo pressionar os parlamentares”, afirmou a estudante Maiara Gomes, que participou da Marcha contra a Corrupção realizada no dia 7 de setembro em Brasília.

Janita José Rosa, diretora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, também elogiou a iniciativa. “A transparência, principalmente na área pública, nunca é maléfica. O parlamento só tem a ganhar com o voto aberto e, por isso, nos somamos à luta pela apreciação imediata da PEC”, afirmou.

A militante também pediu o apoio dos presentes para o movimento em defesa do projeto Ficha Limpa que, segundo ela, corre o risco de barrado no Supremo Tribunal Federal (STF). “No próximo dia 29, às 10 horas, no Salão Verde da Câmara, realizaremos um ato em comemoração ao primeiro ano de aprovação e em defesa do Projeto Ficha Limpa. A sociedade está cansada de impunidade”, resumiu.





Briga de foice no escuro


Tem lógica o clima de guerra entre PT e PMDB, aliados ao governo federal, em torno das eleições municipais do próximo ano. Assim como as bancadas dos partidos tradicionais tendem a aumentar se eles estiverem com o governo, e a diminuir na oposição, a base municipal obedece ao mesmo movimento. É o espólio da oposição que está em disputa entre os dois partidos e, mais do que isso, a disputa entre eles pelos votos da população mais pobre, capturada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em suas gestões e disputada pelos três partidos maiores da base governista: PT, PMDB e PSB.

A exemplo do que ocorre com as suas bancadas federais, o PT é o único que mantém um crescimento contínuo do número de prefeitos, quer no governo, quer na oposição. De 2004 para cá, quando disputou eleições municipais no comando do governo federal, a legenda não apenas aumentou a quantidade de prefeituras, como tornou-se atraente às bases municipais dos outros partidos. Nas eleições de 2008, todos os que obtiveram pelo menos 1% dos votos válidos perderam prefeitos para o PT, exceto o PSB, que tirou quatro do seu maior aliado, em relação às eleições de 2004, e não perdeu para nenhum. O PSB, todavia, não foge à regra de inchar no governo e desidratar na oposição. O PMDB, em 2006, só perdeu municípios para o PT (33 prefeitos) e para o PSB (18), partidos que se expandiram principalmente no Nordeste, em especial sobre as suas bases e as do ex-PFL.

De 2004 para 2008, as duas eleições que ocorreram no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a redução das bases municipais dos partidos de oposição, antes aliados ao governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, foi alarmante. A situação pior em termos reais é a do DEM, ex-PFL. Em termos percentuais, a do PPS.

Das eleições de 1996 para as de 2000, quando o PFL usufruia da condição de aliado preferencial do governo peessedebista, passou de 937 para 1027 prefeitos; em 2004, já no governo petista, reduziu seu número de prefeituras para 791; nas eleições seguintes, para 500. Segundo estudo de Octavio Amorim Neto (FGV) e César Zucco (Iuperj), "As eleições de 2008 e o momento 'conservador' da política brasileira" (citado no artigo de Sérgio Quintella de março de 2009, "As eleições de 2008: conclusões e prognósticos"), o hoje DEM perdeu prefeituras para todos os outros partidos, exceto para o PPS. O PMDB levou 66 prefeituras da legenda conservadora; o PSB, 37; o PT, 38; o PP, 16; o PDT, 20; o PTB, 23; e o PR, 31. O partido perdeu até para o seu aliado preferencial, o PSDB, 23 prefeituras.

O PSDB perdeu prefeitos principalmente para os três maiores partidos da base aliada: 28 para o PSB, 34 para o PT e 36 para o PMDB, além de 8 para o PTB. Não teve enorme queda porque subtraiu prefeitos de seus aliados: 23 do DEM e 19 do PPS. É a chamada autofagia. O ex-PCB, por sua vez, perdeu de todo lado: do governo e da oposição, inclusive para o aliado DEM.

Os números de 2008 indicavam claramente o rumo que as eleições federais tomariam, dois anos depois. Segundo os mesmos autores, em 1996 o PT elegia 4 prefeitos nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste para cada um eleito no Norte e no Nordeste. Em 2008, esta razão tinha caído para 1,7. O partido de Lula abriu espaço nos Estados mais pobres, em especial os do Nordeste, e perdeu nos mais ricos, das regiões Sul e Sudeste.

O PMDB, embora seja, estourado, o partido com maior número de prefeitos, compete com o PT no Nordeste e com o PSDB no Sudeste e no Sul. Em São Paulo, que já foi reduto peemedebista, o partido sangrou de todos os lados, depois do racha que deu forma ao PSDB, em 1988. O PSDB avançou sobre o eleitorado mais rico e intelectualizado do Estado, que era peemedebista antes de existirem os tucanos; o PMDB ficou com a base de Orestes Quércia, que definhou até se tornar uma força exclusivamente municipal.

Nas últimas três eleições municipais, todavia, o partido vem perdendo espaço no Estado, aos poucos e sempre. Em 1996 tinha 109 pefeitos; em 2004, ganhou mais dois; em 2004, desceu para 90; em 2008, caiu para 70 deputados. Esta será a primeira eleição municipal sem a liderança de Orestes Quércia, que morreu no ano passado e era quem controlava o partido no interior paulista. O vice-presidente Michel Temer tenta ganhar essa estrutura, sem a qual perde peso relativo no partido nacional.

A base municipal do PMDB paulista é a única coisa que sobrou do partido no Estado em que já foi mais forte: depois do racha do PSDB, o quercismo não elegeu nenhum governador ou senador. Sua bancada federal hoje tem um único deputado. A redução do número de prefeitos acontece na proporção direta do aumento dos prefeitos do PSDB, do PT e até do DEM.

As eleições do próximo ano definem em que proporção PT e PMDB avançam sobre o eleitorado lulista no Norte e no Nordeste - uma disputa que também é autofágica, pois os dois partidos estão abrigados na mesma base parlamentar que apoia, a nível federal, a presidenta Dilma Rousseff.

Definem também a posição do partido saído da costela do DEM, o PSD, que vai para as urnas agora como governo. A nova legenda tem que avançar sobre as bases do DEM, do PSDB e do PMDB para firmar-se como partido. O PSDB, por sua vez, tenta estancar possíveis sangrias para outros partidos nas regiões menos desenvolvidas, sob pena de fixar-se como um partido das regiões Sul e Sudeste. O PT tem que ganhar espaço nessas regiões, sob pena de virar um partido nordestino. É muita briga para 2012, entre aliados e oposicionistas. Vai correr ainda muito sangue.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.






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