27 maio 2011

EDIÇÃO N. 43

O quê há para ler

BRASIL

Câmara aprova "refis do desmatamento", e Dilma sinaliza veto pontual
- André Barrocal

Por um debate para além do obscurantismo
- Adilson de Carvalho

Dilma manda recado ao PMDB: "Não tem dois governos. Tem um."
- Matheus Pichonelli

Dilma e a conta da lua-de-mel
- Eduardo Guimarâes

NOSSO MUNDO

"Dois séculos de conquistas estáo sendo jogados no lixo."
- Trecho da entrevista de Eduardo Galeano

Desmond Tutu, Israel e Eu
- Jordan Ash

Os "libertadores" ingleses e os avós de Obama
- Brizola Neto

Quem matou o facínora?
- Celson Amorim


IMPRENSA

Pimenta Neves e a cumplicidade da mídia
- Altamiro Borges


ECONOMIA

Sistema financeiro tem "elite", com mais diploma e salário
- André Barrocal

CRÔNICA

Conversa de bêbado no alto escalão
- Cícero Sandroni



                 PENSAMENTOS ILUSTRES

"Somente os idiotas se lamentam de envelhecer."

"Às vezes é mais compensador ter que lidar com rudes inimigos que com certos amigos,
aparentemente melífluos: com frequência aqueles dizem a verdade, estes jamais."

Cícero (Marco Tulio Cícero, nasceu em Arpino, próximo de Roma em 106 a.C. e morreu
assassinado pelo centurião Herênio a mando de seu inimigo político Marco Antônio.
Político influente, jurista, orador, filósofo, sua obra - vasta e diversificada - é uma das
mais importantes da literatura latina e influentes na cultura ocidental. Escreveu 10
tratados filosóficos, entre os quais Re Publica, De Natura e DeLegibus, quase 1.000
cartas, dezenas de orações, tratados de retórica e as célebres Catilinárias.)

                                            -x-x-x-x-x-x-x-

"Sob a direção da razão, escolheremos sempre de dois bens o maior, e de dois males
o menor."

Espinosa (Baruch de Espinosa, ou Spinoza, nasceu em 1632. Filósofo holandês, des-
cendente de família judia portuguesa, que teve que se refugiar na Holanda, para
fugir da "Santa" Inquisição Portuguesa.)  



                                     

H U M O R

 
                     H U M O R
 
Por NANI
 
 

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Palocci e o tráfico de influência








quinta-feira, 26 de maio de 2011

Lula no governo Dilma










BRASIL

Câmara aprova "refis do desmatamento", e Dilma
sinaliza veto pontual


André Barrocal




BRASÍLIA – Com o governo num momento político delicado perante o Congresso e partidos aliados, por causa da situação de seu principal articulador, ministro Antonio Palocci, a Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (24/05), um novo Código Florestal que dá status de lei a uma espécie de “Refis do desmatamento” criado por decreto em dezembro de 2009.

O texto, votado com apoio do governo, permite que produtor rural que desmatou de forma indevida até 2008 entre na legalidade e não seja multado, se ele aderir a um programa de regularização em que se compromete a recuperar a vegetação de sua propriedade nos próximos anos.

É o mesmo espírito do Refis, programa instituído em 2000 para empresários devedores de impostos que poderiam voltar à legalidade se assumissem os débitos e os pagassem, ainda que de forma parcelada. Para o relator do novo Código na Câmara, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), é melhor que haja algum reflorestamento, do que cobrar multas, pois a legislação tenta proteger o meio ambiente, e não arrecadar dinheiro.

De acordo com números citados durante a votação, no plenário da Câmara, por deputados contrários ao projeto, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) já teria engatilhadas 13 mil multas contra desmatadores que, juntas, somariam R$ 2,4 bilhões. Pela legislação em vigor, que a votação na Câmara modifica mas ainda falta o Senado fazê-lo, as multas podem ser cobradas a partir de 11 de junho.

Elas foram fixadas em um decreto de julho de 2008, assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a pedido do então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que havia assumido no lugar de Marina Silva apenas dois meses antes. Presssionado pelo então ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, Lula assinaria mais dois decretos adiando a vigência das multas, e o segundo criaria o Refis, o Programa Mais Ambiente.

O problema é que a chamada bancada ruralista nunca ficou satisfeita de ver o Refis só em decreto, instrumento jurídico mais fácil de ser modificado, pois depende apenas da vontade do governo. Desde 2009, trabalhava para transformar o programa em lei, o que conseguiu nesta terça-feira depois de semanas de negociações duras com o governo. Foi uma vitória incontestável: 410 votos a 63. "Agora teremos segurança jurídica", disse o ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS).

Fator Palocci
A vitória foi facilitada pelo recente noticiário sobre o ministro Antonio Palocci, que havia sido escalado pela presidenta Dilma Rousseff para negociar o novo Código com os parlamentares.

Acertado com Dilma, Palocci vinha esticando ao máximo as negociações, para evitar que o Brasil tivesse a imagem ambiental chamuscada às vésperas da Rio+20, encontro planetário sobre desenvolvimento sustentável que acontecerá no Rio em 2012. Para enfraquecer os ruralistas e fazer menos concessões, estava usando como arma a iminência das multas em junho.

“O governo enraiveceu sua base. Agora, está mais fácil. A Dilma chamou a discussão para si e flexibilizou um pouco”, dizia pouco antes da votação o coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Moreira Mendes (PPS-RO).

“A entrada da Dilma na negociação ajudou, ela conhece o assunto, participou de inúmeras reuniões sobre isso com o Lula”, também afirmava antes da votação o hoje deputado Reinhold Stephanes (PMDB-PR). “Além disso, o governo sabe que não vota mais nada aqui antes do Código, e tem várias medidas provisórias para vencer nos próximos dias”, completava o ex-ministro.

A ameaça de não votar nada antes do Código tinha partido do líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves (RN). Não era uma postura que podia ser ignorada pelo governo. O PMDB é o maior partido aliado de Dilma, ao lado do PT. Tem hoje o ministério da Agricultura e, mais do que isso, o vice-presidente da República, Michel Temer.

Dilma entra em campo
Foi com Temer e alguns ministros, um dia antes da votação do novo Código, que a presidenta decidira que não dava mais para manter a paralisia na Câmara. O texto deveria ser votado mesmo que o governo tivesse alguma derrota pontual para tentar reverter no Senado ou mesmo com veto presidencial.

Horas antes da votação, a presidenta recebera no Planalto um grupo de oito de dez ex-ministros do Meio Ambiente ainda vivos, liderados por Marina Silva e Carlos Minc. “Eu estava na reunião e a presidenta foi muito firme na posição de que vai vetar qualquer tipo de anistia para os desmatamentos e que, se precisar, veta a lei inteira”, contou o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Sarney Filho (PV-MA).

Durante a votação no plenário, o líder do governo na Câmara, Candido Vaccarezza (PT-SP), foi bem claro quanto às intenções presidenciais: “Nós vamos votar, mas este texto está em discussão. Não vamos permitir nenhuma anistia.”

O que Sarney Filho e Vaccarezza chamam de anistia foi exatamente o objeto de uma derrota pontual do governo. A bancada ruralista propôs alterar o relatório de Aldo Rebelo para incluir o perdão - sem a exigência de recuperação futura - ao produtor rural que destruiu áreas protegidas. A ideia foi aprovada por 273 votos a 182. Para o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP), foi uma “boa derrota”, pois os opositores da anistia estão em sintonia com a opinião pública.

A aprovação do novo Código foi comemorada por ruralistas com grito de “redenção” e “noite de glória” do setor. Já os dois únicos partidos contrários, PV e PSOL, usavam palavras como “desastre” para classificar o que aconteceu. O texto será discutido agora no Senado.


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/



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Por um debate para além do obscurantismo


Por Adilson de Carvalho*


Há muita desinformação, má fé e preconceito na polêmica criada em torno do livro Uma vida melhor, da professora Heloísa Ramos. O livro faz parte do Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação, e vem sendo execrado por diversos jornalistas e outros moralistas, sob a acusação de que a obra orientaria professores a ensinarem o “português errado” a seus alunos, em detrimento do que consideram o “bom e correto” uso da língua.

Não vou analisar a obra, até porque não li o livro, como não o fizeram 90% dos que o criticam. Considero mais importante, como requisito mínimo para esta e outras discussões sobre língua portuguesa, que as noções fundamentais sobre o funcionamento da língua e o seu ensino sejam esclarecidas.

Em primeiro lugar, é preciso superar a visão arcaica, distorcida, preconceituosa e anticientífica de que existe uma língua certa e elegante e outra errada e grosseira, como se a língua fosse algo semelhante a um código de etiqueta.

Essa forma de entender o funcionamento das línguas teve o seu lugar na tradição ocidental no fim da Idade Média em que o Império decadente insistia em barrar a “contaminação” do latim clássico pela pujante e vivaz ascensão das línguas nacionais. Hoje não faz o menor sentido pensar assim.

Já está muito bem esclarecido, por mais de 100 anos de pesquisa lingüística, que as línguas são fenômenos sociais dinâmicos e que toda e qualquer língua varia no tempo e no espaço. Isso é o que explica que a fala do brasileiro do século 21 seja muito diferente daquela dos primeiros portugueses que aqui desembarcaram, ou que a língua dos estadunidenses tenha diferenças abissais daquela dos ingleses, ou que os moradores de Belo Horizonte tenham hábitos lingüísticos distintos daqueles dos moradores dos morros do Rio de Janeiro, e assim por diante.

Essas constatações são óbvias. Mas admitir isso é também admitir que não adianta gastar energia na vã ilusão de que se vai padronizar o uso oral da língua. Queiram os puritanos ou não, admitam os conservadores ou não, continuaremos aqui e em qualquer lugar a ter diversas variantes lingüísticas, de acordo com o espaço, o tempo e a classe social, entre outros fatores. Então não faz qualquer sentido a discussão que se paute sobre o que seja ou não seja permitido no uso da língua oral. A língua não tem dono, é produto de todos os falantes da comunidade, mesmo que os charlatões vendedores de cursos de boas maneiras lingüísticas ou os insossos e empoeirados membros da ABL resistam em admitir. Portanto, falta legitimidade a quem quer que seja para dizer o que é certo ou errado na fala das pessoas.

Isso, por mais óbvio que seja, não é compreendido pelos dogmáticos da língua, que continuam a bradar que é um absurdo permitir que nossas criancinhas sejam incitadas ao erro ou que se formos permitir qualquer coisa estaremos corrompendo a língua e bla, bla, bla. Desconhecem esses missionários das trevas que, independentemente dos seus discursos raivosos e moralistas, a língua segue o seu curso.

Agora, outra coisa, bem diferente do universo em que acontece a língua falada, e isso também é uma premissa básica para qualquer discussão sobre o ensino português, é a língua escrita. Já está suficientemente demonstrado por inúmeros estudos que língua escrita é muito diferente da modalidade  falada. Fala, qualquer que seja a variante, aprende-se naturalmente com a simples imersão do aprendiz no ambiente. É assim que as crianças aprendem. Essa compreensão básica também foi muito bem assimilada pelos cursos de idioma estrangeiro, que deixaram de se concentrar no ensino de gramática normativa, porque compreenderam que isso tinha pouco ou nada a ver com o uso do idioma, e passaram a simplesmente criar situações de imersão orientada dos aprendizes em ambientes reais de uso da língua.

O aprendizado de língua escrita, portanto, é algo bem diferente do uso da língua falada. Requer estudo sistemático e muito treino. Se os alunos não forem estimulados a ler e a produzir textos escritos, naturalmente não vão dominar essa técnica. E esse é, aliás, a meu ver, o principal papel da escola: ensinar aos alunos o que eles não sabem e o que é possível ensinar, e não tentar controlar a fala deles ou incutir noções preconceituosas que lhes diminui a autoestima e rouba-lhes a oportunidade de uma reflexão crítica sobre as relações sociais e políticas que envolvem o uso da língua.

Se a escola se concentrar em orientar os alunos na reflexão sobre a língua e na produção e compreensão de textos orais e escritos nos mais diversos gêneros, como cartas, crônicas, notícias de jornal, atos normativos, debates televisivos, entrevistas e outros tantas situações reais de produção lingüística, creio que avançaremos em direção a uma educação de muito melhor qualidade.

Insistir no modelo defendido pelos que fazem parte da cruzada moralista, que defende a doutrinação dogmática para um modelo de língua que não existe no mundo real, é optar pelo duplo fracasso. Nem os alunos aprenderão as regras da gramática normativa, uma vez que ela é um compêndio de explicações com quase nenhum fundamento científico, nem aprenderão o básico, o necessário e fundamental para os desafios que encontrarão na vida prática, que é a habilidade para ler e escrever os textos que circulam no mundo real.

Essas diretrizes não são objeto de minha própria reflexão sobre o ensino de português, embora as considere adequadas. São, em síntese, o que recomendam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que é de 1996, e os Parâmetros Curriculares Nacionais, editados logo em seguida, ambos resultado de intenso debate social e de longa e fundamentada reflexão de estudiosos do assunto.

Até onde pude compreender sobre a intensa discussão criada em torno do livro Uma vida melhor, a autora simplesmente adota as concepções sobre língua acumuladas pela pesquisa e referendadas pela LDB e pelos PCNs. Além disso, ao contrário do que levianamente alegam os que querem censurar o livro, a publicação foi aprovada não pelo MEC, mas por um longo e democrático processo de avaliação. Por incrível que possa parecer, é exatamente isso que vem irritando alguns jornalistas e pseudointelectuais.

Que eles continuem esbravejando suas bobagens de cunho preconceituoso e conservador, tudo bem, têm lá seus interesses e têm direito de defendê-los. Que essa seja a única, ou quase única, voz nessa discussão tão importante, isso sim é preocupante.



*Adilson de Carvalho é formado em letras pela UnB e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.


Fonte: http://www.cartacapital.com.br/



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Dilma manda recado ao PMDB: “Não tem dois governos. Tem um”


A presidenta Dilma Rousseff mandou um recado nesta quinta-feira 26 para o PMDB, partido de seu vice Michel Temer e maior aliado do PT no Congresso, ao comentar a derrota sofrida pelo governo durante a votação de pontos polêmicos do novo Código Florestal, durante a semana, na Câmara.

“O governo tem uma posição, espero que a base siga a posição do governo. Não tem dois governos, tem um governo”, disse a presidenta.

Dilma, que durante a campanha prometeu não apoiar projetos que anistiassem desmatadores, lembrou que tem a prerrogativa de vetar propostas que considera “prejudiciais” ao país, mas fez um apelo para que haja entendimento entre as lideranças no Congresso.

Foi uma resposta ao bate-boca ocorrido no plenário da Câmara entre o líder do governo na Casa, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), e o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN).

Alves foi um dos apoiadores da inclusão de uma emenda que tirou do governo a atribuição de regularizar as atividades agrícolas em áreas de proteção permanente (APPs). A mesma emenda anistiou desmatamentos  cometidos por produtores até 2008. O governo era contra essa mudança no texto-base relatado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), mas não conseguiu unir a base em torno da questão.

Ao ouvir de Vaccarezza que a presidenta Dilma considerava “vergonhosa” a alteração, Alves reagiu dizendo que não aceitava a ideia de que havia ajudado a derrotar o governo. “Não sou aliado do governo Dilma, eu sou o governo Dilma, eu tenho o vice-presidente da República, que não foi nomeado, foi eleito”, disse.
Apesar do discurso, Alves e a ala peemedebista que seguiu em direção contrária à orientação do Planalto foram duramente criticados pelos colegas petistas na Câmara.

Reação
Dilma, em entrevista coletiva dada após evento no Palácio do Planalto, nesta quinta-feira - dois dias após a votação do projeto - reiterou a posição de seu partido ao comentar o que chamou de “impasse” observado na Câmara. “Eu, primeiro, tentarei construir uma solução que não leve a essa situação de impasse que ocorreu na Câmara, lá no Senado. Agora, eu tenho compromisso com o Brasil. Eu não abrirei mão de compromisso com o Brasil. Nós temos obrigações diferentes e prerrogativas diferentes. Somos Poderes e temos de nos respeitar: Judiciário, Legislativo e Executivo. Eu tenho a prerrogativa do veto. Se eu julgar que qualquer coisa prejudica o país, eu vetarei”, prometeu.

A presidenta disse ter ciência que seu veto pode, futuramente, ser derrubado pela Câmara novamente, e indicou que a questão pode ser resolvida em instâncias judiciais. Reiterou, no entanto, que é “a favor do caminho da compreensão e do entendimento”.

A declaração demonstra como está o clima entre o governo e a base aliada em seu segundo grande teste no Congresso – o primeiro foi a votação do valor do salário mínimo, em que o Planalto venceu a queda de braço com as centrais sindicais.

Vale lembrar que, ao tomar posse, Dilma contava com uma base de apoio maior do que a de seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, graças à aliança costurada entre petistas e peemedebistas durante as eleições.

Ao justificar os motivos que a levam a pensar em vetar o código, Dilma afirmou que o país deve ”combinar a situação de grande potência agrícola que ele é com a grande potência ambiental”.

“Não sou a favor da consolidação dos desmatamentos, da anistia aos desmatamentos. Eu acho que no Brasil houve uma prática que a gente não pode deixar que se repita. Muitas vezes se anistiava, por exemplo, dívidas, e novamente se anistiava dívidas, e as dívidas eram novamente anistiadas”, analisou.

Dilma disse, por fim, que a punição aos desmatadores deve ocorrer “não por nenhuma vingança, mas porque as pessoas têm de perceber que o meio ambiente é algo muito valioso”.


Fonte: http://www.cartacapital.com.br/



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DILMA E A CONTA DA LUA-DE-MEL


Arcangelo Ianelli - Antiga Cervejaria Brahma
Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:

Já dizia Milton Friedman, economista americano da famigerada Escola de Chicago, prêmio Nobel de economia em 1976 e inspirador da política econômica do ditador chileno Augusto Pinochet: “Não existe almoço grátis”. Eis que, assim, está sendo apresentada à presidenta Dilma Roussef a conta do idílio que, ao que se sabe, acreditou que poderia manter com a elite.

Não faltou esforço, de parte da presidenta, para enterrar a guerra entre governo e imprensa que vigeu durante o governo Lula. E agora, meses depois do início deste governo, o blog já tem condições de oferecer um relato fundamentado dos bastidores do atual governo no que diz respeito à sua relação com essa elite midiática.

Antes de prosseguir, é bom que fique clara uma coisa: todas as informações de que disponho foram obtidas em “off” e, assim, as fontes não serão citadas. Todavia, é possível garantir que as suas informações foram confirmadas e reconfirmadas.

Dilma Vana Rousseff, 63 anos, mineira, assumiu a Presidência da República Federativa do Brasil em 1º de janeiro de 2011 convencida de que não havia razão outra para a guerra político-midiática que permeara o governo que integrou e que acabara de terminar que não fosse produto de mera picuinha entre oposição, mídia e Lula.

Dilma se decidiu, pois, a apagar a chama do ódio e do ressentimento. E foi dessa decisão que agora decorrem os incríveis problemas políticos que está vivendo ainda no quinto (!!) mês de seu governo de quatro anos, que todos já podem mensurar o que pode vir a ser…

Observação: segundo disse Lula na terça-feira em encontro com parlamentares do PT, o que pode ser o governo Dilma é ele vir a ter que “se arrastar” pelos próximos quatro anos caso a mídia, a oposição e ex-apoiadores de Dilma, decepcionados com ela, consigam derrubar Palocci.

Tudo começou com o mutismo de Dilma logo após ela assumir a Presidência – e que persiste enquanto o circo pega fogo. Em seguida, coroando uma decisão questionável daquela que deveria estar em festa com seu povo e compartilhando com ele o seu início de governo, a presidenta decidiu deixar Brasília e ir fazer um gesto de boa vontade ao pior inimigo que teve, ao lado de Lula, durante os anos anteriores.

A ida de Dilma à festa de 90 anos da Folha de São Paulo e as palavras elogiosas que teceu ao patriarca morto da família Frias já prenunciavam o que ocorreria dali em diante, uma pretensa relação de quase afetividade com os seus algozes durante o governo Lula.

Não se cuidou tão somente de afagar a imprensa que durante seis dos oito anos da Presidência lulista a fustigara sem dó, piedade ou limites. Havia que acarinhar, também, a oposição, em uma vã esperança de conseguir um armistício impossível, mas que, vigendo, permitir-lhe-ia levar a cabo o seu edificante projeto de extirpar a miséria do Brasil.

Naquele momento, Lula relutou em corrigir a presidenta. Consta que chegou a achar que ela tinha razão, que fora a sua verve (dele mesmo) que rendera os problemas políticos que o seu governo enfrentara.

Apesar da campanha de desmoralização de Lula que corria simultaneamente à lua-de-mel entre Dilma e a direita midiática, com convites ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e elogios desabridos que a presidenta recebia dos jornais dia sim, outro também, tudo parecia caminhar para uma benfazeja distensão política no Brasil.

Quem pode culpar Dilma por querer distensão? Já há semanas que o Brasil está paralisado pelo caso Palocci. O prejuízo para a agenda pública se fez sentir na recente aprovação do Código Florestal, que, quase unanimemente, verifica-se um desastre justamente por falta de um debate que submergiu diante da volta do denuncismo seletivo e partidarizado.

E agora que o governo está sob a ameaça impensável de virar presa na temporada de caça a seus ministros e expoentes, Dilma verifica que medidas tomadas na área de comunicação para distender as relações com a direita midiática a deixaram com muito menos aliados. Sobretudo na internet, a arena mais dinâmica do debate político, atualmente.

Que medidas foram essas? Por exemplo, na Secom. A nova ministra da Secretária de Comunicação Social da Presidência da República, Helena Chagas, esteve entre os conselheiros de Dilma para distender as relações com a mídia e a oposição, enquanto que seu antecessor, Franklin Martins, saía de cena, tendo sido visto como um fomentador de confusão.

Franklin Martins, que estabeleceu pontes com a blogosfera progressista na era Lula, cedeu lugar a uma direção da Secom voltada a não se meter com esses “blogueiros encrenqueiros”. Para que se tenha uma idéia, a pessoa que comanda o Blog do Planalto acha que blog é coisa de “adolescente”… Precisa dizer mais?

Helana Chagas é uma excelente pessoa. Íntegra, sensata, inteligente. Não lhe falta competência. Este blogueiro esteve consigo durante a Confecom, em dezembro de 2009, aliás. E só fez confirmar a boa impressão que já tinha dela.

Todavia, tanto Dilma quanto Helena não tinham – e continuam não tendo – a experiência de Lula e de um Franklin Martins no trato com essa direita demente que infecta o Brasil. Não é por outra razão que um e outro estão sendo recrutados a coordenarem a reação ao que já ameaça se tornar o “mensalão” de Dilma.

Tudo muito parecido. Os petistas e simpatizantes “decepcionados” são o maior sintoma. A maioria, aliás, é composta por pessoas de boa fé, que, como as de má fé, já dizem as mesmas frases moralistas sobre Palocci que uma Eliane Cantanhêde, um Reinaldo Azevedo e companhia limitada.

Verifiquem os posts do blog sobre o assunto e verão trolls de direita e gente séria e que defendeu Lula com unhas e dentes dizerem as mesmas coisas sobre Palocci, sobre “ética” etc. E vejam os trolls se passando por petistas arrependidos, o que já dificulta identificar quem é quem em centenas de comentários.

Para coroar a dissertação, vale prestar atenção na cobrança da conta da lua-de-mel entre Dilma e a direita midiática. As gentilezas, os elogios, em fevereiro já se dizia por aqui que seriam usados como “prova” de que a imprensa golpista teve boa vontade com Dilma, mas seu governo não soube honrar o voto de confiança.

O colunista da Folha de São Paulo Janio de Freitas já apresenta a fatura à presidenta, hoje:

“Excetuado Fernando Henrique Cardoso, e por motivos óbvios, Lula [que criticou a mídia no caso Palocci] não demonstraria que algum outro presidente, desde o fim da ditadura de Getúlio, fosse tratado [pela mídia] com mais consideração pessoal e cuidado crítico do que Dilma Rousseff em seus cinco meses iniciais”

O ex-presidente tem toda razão quando diz que a queda de Palocci seria um imenso desastre. Cinco meses de governo. Se conseguirem derrubar Palocci tão cedo – a guerra contra Lula começou no terceiro ano de seu primeiro mandato –, estará aberta a porteira. E quem diz não é este blog, mas aquele que já é considerado o maior estrategista político do Brasil.

Não depende mais de nós, formiguinhas da política, fazer alguma coisa. Dilma tem que decidir se quer passar os próximos quatro anos discutindo a avalanche de acusações e picuinhas que vem por aí ou se, como fez Lula, atuará para dar à sua base de apoio na sociedade as condições de ajudar a fazer o país seguir avançando.

Os blogueiros “encrenqueiros”, por exemplo, nunca dependeram do governo. Apenas acreditaram que, ao apoiarem Lula, estavam apoiando o Brasil. Se não fosse a ressonância que as suas aspirações encontraram em seu governo, porém, não teriam podido ajudar. Mas ninguém pode ajudar quem não quer ser ajudado.

Para não terminar em tom de apocalipse este texto, porém, há que dar uma boa notícia: o país real, essa nação que trabalha, estuda, progride, anseia, sonha – que pulsa, enfim –, não está nem aí para a politicagem. Está subindo na vida. O problema é se a sabotagem conseguir paralisar o governo. Aí, o mundo da fantasia da política se materializará no mundo real.
 
 
Fonte: altamiroborges.blogspot.com

NOSSO MUNDO



Data: 25/05/2011


Em entrevista ao programa "Singulars", da Televisão da Catalunha (TV3), o escritor uruguaio Eduardo Galeano fala sobre as manifestações dos últimos dias que levaram milhares de jovens para as ruas de diversas cidades espanholas. Galeano esteve em Madri e pode presenciar ao vivo as mobilizações na Porta do Sol. Disponibilizamos abaixo a entrevista concedida ao jornalista Jaume Barberà e destacamos alguns trechos da fala de Galeano:



"Há hoje em quase toda a América Latina um problema visível e preocupante que é o divórcio entre os jovens, as novas gerações, e o sistema político, o sistema de partidos vigente. Eu não reduziria a política à atividade dos partidos, por que ela vai muito mais além, mas isso é preocupante mesmo assim".

"Nas últimas eleições chilenas, por exemplo, 2 milhões de jovens não votaram. E não votaram porque não se deram ao trabalho de fazer o registro eleitoral. Suponho que a maioria não fez o registro por que não acredita nisso. E me parece que isso não é culpa dos jovens. Neste sentido, gostei muito de ter presenciado essas manifestações que tive oportunidade de ver na Porta do Sol".

"Um dos lemas que ouvi era 'com causa e sem casa', o que é muito revelador da situação atual. Muitos daqueles jovens ficaram sem casa e sem trabalho. Isso deve ser levado em conta. Esse é um dos dramas do nosso tempo. Dois séculos de lutas operárias que conquistaram direitos muito importantes para a classe trabalhadora, estão sendo jogados na lata de lixo por governos que obedecem à uma tecnocracia que se julga eleita pelos deuses para governar o mundo".

"É uma espécie de governo dos governos, como este senhor que agora parece que se dedica a violar camareiras, mas antes violava países e era aplaudido por isso. É essa estrutura de poder, muitas vezes invisível, que de fato manda. Por isso, quando se consegue aglutinar vozes capazes de dizer 'basta' a primeira coisa a fazer é ouvi-las com respeito, sem desqualificá-las de antemão e saber esperar. Esses jovens não parecem esperar ordens de ninguém. Agem espontaneamente, aliando razão à emoção. Como vai acabar isso? Não sei. Talvez acabe logo, talvez não. Vamos ver".

"O mundo está preso em um sistema de valores que coloca o êxito acima de todas as virtudes. Ele é uma fonte de virtudes. Em troca, condena o fracasso. Perder é o único pecado para o qual, no mundo de hoje, não há redenção. Estamos condenados a ganhar ou ganhar. Os dois homens mais justos da história da humanidade, Sócrates e Jesus, morreram condenados pela Justiça. Os mais justos foram condenados pela Justiça. E nos deixaram coisas muito importantes como amor e coragem".




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Desmond Tutu, Israel e Eu

Jordan Ash - Common Dreams


Quando eu era criança, minha mãe incutiu-me um forte sentido de certo e errado. A moral que ela transmitiu estava firmemente enraizada na história do povo judeu. Minha mãe falou-me dos pogroms na Rússia, das duras condições de trabalho que os judeus tiveram que suportar e da discriminação que enfrentaram nos Estados Unidos. Ela também me falou de Samuel Gompers, que fundou a Federação Americana do Trabalho, e de Michael Schwerner e Andrew Goodman que deram suas vidas, ao lado de James Chaney, no movimento em defesa dos direitos civis.

As lições que aprendi foram claras. Devemos lutar pela Justiça. A discriminação e o preconceito são coisas erradas. Todas as pessoas são iguais e merecem ser tratadas com dignidade e respeito.

Nos feriados, comemorávamos momentos onde praticamos essas lições. Na Páscoa, nos lembrávamos que éramos escravos no Egito. A Chanukah é a história de como Judas Macabeu e um pequeno grupo de homens derrotaram o exército grego para que pudéssemos praticar a nossa religião. No Purim, nós vaiávamos quando ouvíamos o nome de Haman, que queria destruir os judeus e brindávamos a Ester que arriscou a vida para salvar seu povo.

E, é claro, ela me falou do Holocausto, das formas heroicas com os quais os judeus lutaram e dos modos horríveis pelos quais morreram. Esta foi a história que deu tanta importância à fundação de Israel. Era como se, após uma sucessão de tragédias, a história do nosso povo tivesse um final feliz.
Como fui ensinado, os árabes queriam negar-nos esse final feliz e jogar todos os judeus no mar, simplesmente porque eram judeus. Eu, como tantos outros judeus, não fui ensinado que a fundação de Israel exigiu a remoção forçada de 700 mil palestinos.

Quando cheguei à faculdade, em 1985, rapidamente me envolvi em uma tentativa de envolver a escola em um boicote contra empresas que faziam negócios com a África do Sul. Fui preso em um ato de desobediência civil, juntamente com outros dez estudantes, incluindo Amy Carter, filha do ex-presidente e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Jimmy Carter.

Por volta dessa época, vi um panfleto que falava sobre a aliança profana entre os Estados Unidos, África do Sul e Israel. Eu quis acreditar que se tratava de uma falsa acusação promovida por anti-semitas contra Israel, mas não era. Israel forneceu armas para o regime do apartheid.

Alguns anos mais tarde, quando Nelson Mandela foi libertado da prisão e visitou os Estados Unidos, alguns judeus ameaçaram protestar por causa de declarações de Mandela, comparando a luta dos palestinos com a dos negros sul-africanos.

O fato de essa verdade sobre Israel ser algo muito doloroso, eu ignorei-a. Mesmo eu que procurava viver com os valores transmitidos por minha meu, que trabalhava com os sindicatos e organizações da comunidade, ignorei o que as pessoas estavam dizendo sobre a opressão contra os palestinos. Eu coloquei Israel fora da minha mente e, por um longo tempo, também coloquei os judeus fora de minha mente.

Então, vinte anos depois, ouvi um grupo de jovens judeus se manifestarem contra o que Israel estava fazendo nos territórios ocupados e como eles – como judeus – se sentiram obrigados a fazer tudo o que podiam para impedir isso.

Eu fui para Israel então, para ver com meus próprios olhos. Eu vi que Israel estava construindo um muro de 425 milhas, separando comunidades e famílias umas das outras, agricultores de suas terras e impedindo os palestinos de chegarem ao trabalho ou à escola. Vi que o governo israelense estava demolindo casas palestinas, enquanto continuava permitindo a construção de novos assentamentos judaicos.

Ficou claro para mim que o principal interesse de Israel não era alcançar a paz, mas tomar as melhores terras para si, enquanto forçava os palestinos a uma vida de pobreza cheia de lembranças diárias de seu “status inferior”. A minha experiência confirmou o que Jimmy Carter tinha dito: que Israel criou um sistema de apartheid.

Pouco tempo depois de ter voltado, a Universidade de St. Thomas, em St.Paul, desconvidou o arcebispo Desmond Tutu para uma atividade, após o Conselho de Relações da Comunidade Judaica ter dito que Tutu teria feito comentários ofensivos à comunidade.

O que Tutu havia dito? “Eu fiquei profundamente angustiado na minha visita à Terra Santa, que me lembrou muito do que aconteceu com nós, negros, na África do Sul. Eu vi a humilhação dos palestinos nos postos de controle e de bloqueio nas estradas, sofrendo como nós, quando os jovens policiais brancos nos impediam de nos locomover”. Às vezes a verdade dói.

O site JCRC Minnesota apresenta uma citação do líder zulu sul-africano Chefe Buthelezi dizendo que “o regime israelense não é o apartheid”. Quem é o chefe Buthelezi? Ele foi um dos únicos negros sul-africanos a se opor ao boicote e a incentivar o investimento estrangeiro na África do Sul, alegando que era uma coisa boa para o povo negro. A comunidade empresarial internacional abraçou-o e ignorou o fato de que todos os líderes negros do movimento anti-apartheid eram a favor de sanções e do boicote.

Inspirado pelo sucesso do movimento de boicote e de desinvestimento contra o apartheid sul-africano, uma ampla fama de organizações da sociedade civil palestina fez um apelo em 2005 em favor da campanha Boicote, Desinvestimento e Sanções como parte de uma campanha não violenta para acabar com a ocupação israelense.

As pessoas que se opunham ao boicote à África do Sul 25 anos atrás argumentavam que a melhor maneira de mudar o apartheid era por meio do “engajamento construtivo” das corporações com o regime do apartheid. Elas estavam erradas.

Para mim, é tão imoral empresas lucrarem com a ocupação israelense da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Leste quanto era no caso das empresas que lucravam com o apartheid sul-africano. Como o mundo e eu aprendemos há 25 anos, a pressão externa é muitas vezes necessária para provocar mudanças políticas e deter um governo opressor. A geração de hoje está preparada para desempenhar um papel histórico, ajudando a trazer a paz, a justiça e a igualdade para o Oriente Médio.

(*) Jordan Ash é representante do movimento Jewish Voice for Peace, em Minnesota (EUA)

Tradução: Katarina Peixoto






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Os "libertadores" ingleses e os avós de Obama

Por Brizola Neto



Monumento às vítimas da fome e a placa de agradecimento aos turcos, na Irlanda
“Que não fique nenhuma dúvida: os EUA e a Grã-Bretanha estão do lado dos que buscam ser livres”.


A frase do discurso do Presidente Barack Obama, ontem, em Londres, justificando as intervenções dos dois países na Líbia e em outras partes do mundo, tem algumas coincidências amargas.

Para ser sincera, seria necessário um “mea-culpa” profundo sobre o que as duas nações já fizeram contra “os que buscam ser livres”, e que não mereceu sequer uma palavra do presidente americano.
Ele foi à Irlanda, visitar a terra de seu tataravô materno, Falmourth Kearney. Ele foi um das centenas de milhares de irlandeses que emigrou, na metade do século 19, tangidos pela grande fome que assolou o país, quando uma praga destruiu as plantações de batata. E a batata era o único alimento dos irlandeses, depois que a aristocracia inglesa e seus correspondentes locais tinham destruído toda a estrutura produtiva daquela colônia, transformando-a num imenso pasto para a produção de gado, suprindo as necessidades dos ingleses.

O sultão Abdul Mecid, chefe do Império Otomano, hoje a Turquia, quis ajudar os irlandeses famintos, mas foi proibido pela rainha Vitória. Ainda assim, mandou cinco navios – não com mísseis Tomahawk, mas com comida – que driblaram o bloqueio da marinha inglesa e os descarregaram, secretamente , em Drogheda, a 100 quilômetros de Dublin, onde há esta placa que reproduzo ao lado.
O jovem Obama e sua avó Sarah (sentada, à direita): "os britânicos foram verdadeiras bestas"

Os ingleses também tiveram relações com o avô paterno de Barack Obama, o queniano Hussein Onyango Obama. Ele foi cozinheiro do exército colonial inglês. Preso, ao ser acusado de ter participado do movimento de independência contra as autoridades coloniais britânicas, o Obama avô foi brutalmente torturado, segundo disse ao Daily Mail, ano passado, sua terceira mulher, Sarah Onyango, a quem Barack chama de “Vovó Sarah”.

Na reportagem, ela descreve os chicoteamentos, as torturas com um “sharp pin” (pino afiado) enfiado nas unhas e nas nádegas dos prisioneiros, além das sevícias nas áreas genitais.
“Vovó Sarah” disse ao Daily Mail: ” Percebemos ali que os britânicos não eram realmente amigos, mas sim inimigos. Meu marido tinha trabalhado tão diligentemente para eles, só para ser preso e encarcerado. Ele chamou os britânicos “bestas e traidores em  pele humana”.

E isso não foi num passado remotíssimo, mas em 1949.

Não se sugere que o presidente Obama, pelo seu dever de representar um país formado, em parte, pelos ingleses, que usasse a visita como vingança por seus ancestrais.

Mas, ao menos em respeito aos seus avós, não proclame os “compromissos históricos” dos EUA e da Inglaterra com “os que buscam ser livres”.

Sarah, Hussein e Falmourth Kearney são testemunhas do que foram estes compromissos


Fonte: Blog o Tijolaço



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Quem matou o facínora?

 



Naquele que viria a ser o seu último grande western, John Ford conta a história de um velho senador, Rance Stoddard (encarnado por James Stewart), que, acompanhado da esposa, Hallie (Vera Miles), viaja rumo a uma cidadezinha do Oeste americano para poder prestar a última homenagem a um velho amigo, recém-falecido, Tom Doniphon (John Wayne).

O filme logo nos transpõe, em um longo flash-back, para um período já distante, em que o então jovem advogado e futuro senador Stoddard, um tipo suave e urbano, chega ao vilarejo e conhece a bela Hallie, com quem viria mais tarde a se casar, mas que na época era a paquera de Tom, um sujeito rude, mas de bom caráter.

A rivalidade pela mocinha entre o brando e intelectualizado (para os padrões locais, bem entendido) Stewart e o caubói machão, vivido por Wayne, é sempre um subtema do filme, mas o verdadeiro enredo gira em torno da prepotência de um malfeitor que domina a cidade, Liberty (!) Valance.
Em razão de peripécias várias, em que questões de representação popular e liberdade de imprensa estão, de algum modo, envolvidas, o pacato Rance Stoddard é levado a um duelo com o violento Liberty. A cidade aguarda, aterrorizada, a morte certa do bom moço. Mas, miraculosamente, é ele quem mata o bandido e liberta os habitantes de um agente do mal.

Voltando à época atual, um velho jornalista (que fora ele próprio agredido e humilhado pelo bandido) conta a um foca a verdadeira versão. Não fora o mocinho da fita, mas o grosseiro, ainda que de boa índole, Tom (Os Brutos Também Amam, como filosoficamente afirmou o título em português de outro western famoso) quem, num misto de amor e desprendimento, além é claro de um sentido de defesa do bem comum, abatera o facínora. E o fizera escondido.

Diante da revelação inesperada, o jovem repórter, com seu zelo profissional pela verdade e a pureza da idade, pergunta se o público não teria o direito de conhecer os fatos tais como ocorreram, ainda que isso viesse a empanar o brilho da carreira do bem-sucedido senador, cujos primeiros passos estiveram ligados à improvável façanha. Ao que seu experiente colega responde, com proficiência paternal: “No Velho Oeste, há uma regra: quando o fato vira lenda, publique-se a lenda”.

O clássico de John Ford é uma metáfora quase perfeita de vários dos aspectos que cercaram a morte do arquiterrorista Osama bin Laden. Talvez a principal diferença seja a de que o personagem vivido por Lee Marvin (cuja curiosa alcunha era “liberdade”) estava armado e chegou a sacar do revólver. Entre os paralelos, o que mais salta aos olhos é a convicção de que a verdadeira justiça dispensa as formalidades de um julgamento.

Os bons e os justos sabem que o são, nasceram com essas virtudes, e o seu julgamento não falha: sabem também onde está o bem e onde está o mal. Não padecem de dúvidas hamletianas sobre a complexidade da existência humana. Rance Stoddard não o fez, mas poderia perfeitamente dizer depois de ter matado o facínora Valance (segundo ele cria, naquele momento): “Justice is done”. Ou, justiça foi feita. Seguramente foi esse o pensamento de todos os habitantes da cidadezinha de uma região onde não havia lugar para a ambiguidade moral (ou para uma “moral da ambiguidade”, como diria Simone de Beauvoir).

Tampouco deixa de chamar a atenção de quem acompanhou as reações iniciais ao momentoso feito, a questão, colocada de maneira talvez mais sutil, sobre quem foi o verdadeiro autor da façanha: o urbano, suave e pacifista presidente atual ou seu antecessor, cujo estilo e ideias, digamos assim, estavam mais próximos (até em razão de sua origem) do Velho Oeste. Quem foi o responsável pelo início da caçada, quem determinou ou aprovou os procedimentos ampliados ou aprimorados (enhanced) de investigação? E quem foi que disse, em tom de quem sabe perseguir uma causa justa, “nós o arrancaremos de sua toca” (we will smoke him out).

Tudo isso parece irrelevante quando o secretário-geral da ONU sacramenta do alto de sua autoridade moral de representante da Comunidade das Nações a ideia de que a justiça foi feita. Se for assim, pode alguém ingenuamente perguntar-se: para que tantos tribunais internacionais, tantos conselhos e comissões, já que a justiça pode ser obtida de forma tão mais simples e barata?

Em suma, para que relatores especiais sobre execução sumária, quando na verdade quem determina se um ato foi uma execução sumária ou a efetivação da justiça (natural, divina?) é seu próprio autor? Não entremos na discussão sobre a legalidade das ações recentes, à luz da Carta da ONU, da integridade territorial dos Estados ou das resoluções do Conselho de Segurança.

Supor que o direito à legítima defesa, para legitimar um ato praticado dez anos depois do que deu origem à reação, é esticar a corda um pouco demais. Como também é zombar da inteligência mesmo dos mais tolos e ingênuos sustentar que uma pessoa vivendo isolada do mundo, com algumas mulheres e filhos (e aparentemente se deleitando com filmes pornográficos), sem telefone ou internet, continuava a controlar a elaboração e execução de ações terroristas de alguma envergadura.

Certamente, ninguém, salvo os familiares mais próximos e alguns fanáticos, vai chorar a morte de Bin Laden. “O mundo tornou-se um lugar melhor com seu desaparecimento”, poderá alegar-se, o que de resto é verdade em relação a muitas outras pessoas, que nem por isso são abatidas sumariamente.

O que está em jogo são procedimentos de justiça interna e internacional, aquilo que os anglo-saxões chamam de due process. Com tantas outras situações no mundo, em que o vilão pode ser posto para correr (ou morrer), há razões para temer que o dito comum no faroeste sobre ladrões de gado passe a ser uma norma não escrita do Direito Internacional: “Enforque-se o cara, depois deem a ele um julgamento justo”.

Neste caso, aliás, a julgar pelo segredo em torno das fotos e a liberação altamente seletiva das informações, nem mesmo esse tipo de justiça póstuma deve ser esperada.






 




IMPRENSA

Pimenta Neves e a cumplicidade da mídia

Por Altamiro Borges

Finalmente, o ex-diretor de redação do Estadão, Antonio Pimenta Neves, está preso – mas não se sabe se por muito tempo, já que no Brasil só ladrão de galinha fica na cadeia. Nesta terça-feira, agentes da Divisão de Captura da Polícia Civil de São Paulo detiveram, em casa, o ex-poderoso jornalista.

Depois de mais de dez anos em liberdade, vivendo em sua mansão de 900 metros quadrados na zona sul da capital paulista, o assassino confesso da também jornalista Sandra Gomide foi levado, sem algemas, para a cadeia. A ordem de prisão foi expedida pelos ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinaram o cumprimento da pena de 15 anos de reclusão, “inicialmente em regime fechado”.

Impunidade dos ricos e famosos

Em agosto de 2000, o badalado jornalista deu dois tiros na ex-namorada pelas costas num haras em Ibiúna, no interior paulista. Ele inclusive confessou o crime. Sandra Gomide conheceu Pimenta Neves, 30 anos mais velho, em 1996. Depois que o namoro terminou, ele não se conformou e passou a persegui-la, até matá-la. Em maio de 2006, foi condenado a 19 anos de prisão, mas conseguiu habeas corpus e ficou em liberdade.

O caso é uma das aberrações da Justiça. Segundo o ministro Celso de Mello, do STF, “o jornalista valeu-se de todos os meios recursais postos à disposição dele. Enfim, é chegado o momento de cumprir a pena”. Já a ministra Ellen Gracie disse estranhar a lentidão da Justiça. “Como justificar que, num delito cometido em 2000, até hoje não cumpre pena o acusado?”. Outros ministros do STF também choraram o leite derramado!

Omissão criminosa da imprensa

Vários fatores explicam a impunidade do ex-diretor de redação do jornal O Estado de S.Paulo. O principal é que os ricos e famosos não vão para a cadeia no país. Já uma segunda explicação revela à cumplicidade da própria mídia hegemônica. Ela que adora explorar os escândalos, para aumentar a sua tiragem e audiência, sempre protege os poderosos. Nestes longos dez anos, ela evitou destacar o delicado caso Pimenta Neves.

Como apontou Luciano Martins Costa, num artigo de agosto passado no sítio do Observatório da Imprensa, a mídia sempre procurou “esquecer o crime”. Neste sentido, a sua omissão foi também criminosa – em especial, do jornal Estadão. Ele lembra que quando Sandra Gomide rompeu o namoro, o poderoso diretor de redação a demitiu do cargo de editora de economia do Estadão, para o qual a havia promovido.

Silêncio dos "calunistas"

Pimenta Neves “passou a persegui-la, ameaçando com retaliações qualquer empresa que a contratasse”. Ele chegou a invadir o apartamento da jornalista, que registrou o fato em boletim de ocorrência. “Segundo um ex-repórter do Estadão, Pimenta costumava exibir uma arma, emprestada por um amigo publicitário, e chegou a dizer a diretores do jornal que pretendia cometer um assassinato”. A diretoria do Estadão nunca conteve seu poderoso diretor. Depois do assassinato, ainda tentou protegê-lo do noticiário.

A mesma cumplicidade se deu em outros veículos. “Nenhum desses cronistas e articulistas que vociferam contra qualquer coisa que se move se encheu de coragem para comentar que, quase uma década depois, Sandra Gomide segue sendo triplamente vitimada: pelo assassinato covarde, pela ausência de Justiça e pelo esquecimento decretado pela omissão da imprensa... São quase dez anos de um assassinato covarde, impune graças a chicanas de advogados e sob o silêncio omisso da grande imprensa”.
 
 
 
Fonte: altamiroborges.blogspot.com

ECONOMIA

Sistema financeiro tem "elite", com mais diploma e
salário


André Barrocal





BRASÍLIA – Em março de 2009, com o mundo mergulhado na crise financeira que explodira seis meses antes, o economista Paul Krugman publicou artigo no jornal The New York Times sobre as fraudes no sistema financeiro responsáveis pela situação. O texto dizia que as finanças “atraíram muitas de nossas mentes mais agudas e fizeram algumas pessoas imensamente ricas”. Krugman referia-se especialmente à cúpula das instituições, mas a afirmação vale para o organograma inteiro delas. Ao menos no Brasil.

No fim daquele mesmo ano de 2009, o sistema financeiro era a única área da economia brasileira que tinha mais da metade dos seus trabalhadores oriunda das universidades, celeiro de “mentes agudas”. O salário médio no setor era de R$ 3,8 mil mensais. Um valor que, se não faz do dono do contracheque alguém “imensamente rico”, representava quase uma vez e meia a remuneração média dos assalariados em geral, bem à frente do setor medalha de prata - infomação e comunicação (R$ 2.950 mensais).

Os números fazem parte de uma pesquisa anual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada nesta quarta-feira (25/05). É o Cadastro Central de Empresas (Cempre), com estatísticas sobre setor público, empresas privadas e entidades sem fins lucrativos.

De acordo com o levantamento, em 2009, o país tinha 40,2 milhões de assalariados, dos quais só 6,6 milhões (16,5%) possuíam nível superior completo. O ganho médio de cada trabalhador era de R$ 1.540 por mês, mas alcançava R$ 3,9 mil quando o indivíduo tinha “canudo”. Nas contas do IBGE, um trabalhador diplomado recebia 225% a mais do que um que não tinha, a desigualdade mais gritante dentre todas as comparações possíves.

Ao se considerar só as empresas privadas, o Brasil tinha 28,2 milhões de trabalhadores, com um universo ainda menor de formados numa faculdade (9,3%) e um salário médio também inferior (R$ 1.410). No caso específico das empresas com “atividades financeiras, seguros e serviços relacionados”, a pesquisa identificou 806 mil trabalhadores, 51,5% deles graduados. O segundo setor mais diplomado era o de educação (48,5%). Em terceiro, o serviço público (41,%).

A elite assalariada do sistema financeiro abocanhou junta R$ 36,7 bilhões em 2009, o que dá R$ 3,8 mil por mês. No ramo da informação/comunicação, o segundo mais bem pago, o IBGE contou 712 mil assalariados, os quais faturaram R$ 17,5 bilhões ( R$ 2,950 por mês). A administração pública ficou na terceira posição, com 7,7 milhões de servidores, que receberam, em média, R$ 2,2 mil mensais.

O sistema financeiro destacou-se também porque, em 2009, era um dos únicos cinco setores, de um total de vinte tipificados pelo IBGE, em que havia mais mulheres do que homens. O grupo da maioria feminina incluía ainda saúde, educação, alojamento/alimentação e um genérico “outras atividades de serviços”.

Naquele ano, encontravam-se 41,9% de mulheres assalariadas no país (16,8 milhões), graças a maior participação delas no serviço público. Na iniciativa privada, a proporção de mulheres era menor (35%). No geral, o salário do homem superava o da mulher em 24%.


C R Ô N I C A

Conversa De Bêbado No Alto Escalão

Cícero Sandroni


Mesmo nos anos mais duros da guerra, quando os aviões da Luftwaffe despejavam bombas sobre Londres e outras cidades inglesas, Winston Churchill jamais dispensou uma garrafa de champanhe ao almoço e outra ao jantar; uma dose de uísque ao entardecer e duas ou três antes de deitar-se, às duas da manhã. Então metia-se na cama, dizia para si mesmo ”danem-se todos!” e dormia tranqüilamente, sem sonhar. Alcançar objetivos concretos, na paz ou na guerra, constituía para ele algo melhor do que o sonho. E se a realidade incluísse garrafas de fermentados ou destilados, melhor.
Em agosto de 1942, quando Hitler estava na ofensiva na frente russa, Churchill empreende cansativa e perigosa viagem aérea de Londres até Moscou, com escala no Cairo e em Teerã, para explicar ao seu antigo inimigo e então novo parceiro na guerra, Josef Stalin, que os aliados não abririam logo uma segunda frente na Europa, operação que desde a invasão nazista os soviéticos exigiam desesperadamente para ontem. Antes disso, tropas britânicas e americanas invadiriam a África para expulsar Rommel do Egito e controlar o Mediterrâneo. A invasão pelo norte da França só viria depois.
Na primeira reunião dos dois líderes e seus assessores (Motolov e Alexander Cadogan), enquanto eles discutiam no Kremlin, tropas nazistas estavam próximas da capital. Impaciente, Stalin exigia a abertura da segunda frente na Europa.
- O que os ingleses esperam? – indagava o marechal, com a voz alterada – Estão com medo de combater os soldados nazistas?
A argumentação de Stalin encontrou resistência por parte de Churchill, que ignorou o insulto: os aliados nada fariam além do acertado com Rooselvelt. Invadir o norte da França antes de 1943 (o desembarque na Normandia só ocorreu em julho de 1944) seria um desastre militar que permitiria a Hitler consolidar seu poder na Europa. Enfurecido, Stalin não teve outro recurso senão conformar-se. Mas arrancou a promessa de que a RAF e os americanos bombardeariam a Alemanha – o que Churchill não precisava prometer: os aviões aliados já despejavam bombas sobre Hitler.
Na véspera de sua partida, depois de dois dias de discussões, Churchill vai ao Kremlin para despedir-se. Mais conformado, Stalin adota tom cordial, em diálogo traduzido por um poliglota chamado Pavlov, que nada conhecia de reflexologia:
- Você parte ao raiar do dia. Por que não vamos à minha casa para beber um pouco? Tenho lá boa adega, você não se arrependerá.
Churchill respondeu que apoiava a política dos drinques à tarde, mesmo em uma Moscou quase nas mãos dos nazistas. Detalhes sobre o encontro estão nas suas Memórias da Segunda Guerra Mundial, em tradução de Vera Ribeiro, com selo da editora Nova Fronteira. Vale a pena ler a descrição da insólita happy hour de dois líderes que, naquele momento decisivo e dramático, parecia o encontro casual de dois amigos no melhor dos mundos; jogavam conversa fora enquanto russos e alemães lutavam encarniçadamente bem perto do Kremlin. Os dois tinham consciência do que acontecia na desesperada linha de resistência soviética, mas precisavam se conhecer melhor. E também porque, como diria o inglês, que diabo, gostavam de beber.
Stalin jogava sua última carta naquele pôquer em que as fichas eram as vidas de milhões de soldados soviéticos: esperava embebedar Churchill e assim obter dele o compromisso de invadir a Europa nazista; com o monstro voltado para quem o atacasse no canal da Mancha ele teria um alívio nos Urais. Mas, diante da implacável firmeza do seu companheiro de copo, irritou-se:
- A Marinha britânica não tem senso de glória? Vocês eram os donos dos mares e agora têm medo de atravessar o Canal da Mancha?
- Você pode crer – respondeu Churchill – o que estamos fazendo é o certo. Eu entendo um bocado sobre marinha e guerra naval.
- O que significa então que eu não entendo nada? – respondeu, abrupto, Stalin, fingindo-se envolvido.
- A Rússia é animal terrestre – retrucou Churchill – enquanto os britânicos são animais marítimos. Nós conhecemos a nossa força naval, sabemos o que podemos e o que não podemos fazer. Não despreze a força dos submarinos nazistas, que já destroçaram boa parte da nossa frota.
Stalin permaneceu instantes em silêncio, contendo a raiva que sentia daqueles ingleses resistentes à bebida e de quem precisava desesperadamente. Enfim, meio conformado, disse:
- Vamos chamar o Motolov, ele também gosta muito de beber.
Churchill concordou e por sua vez convidou o embaixador Alexander Cadogan, que segundo ele, também era bom de copo. E a conversa continuou, agora a quatro, com o professor Pavlov dividindo-se entre eles, enquanto as garrafas iam sendo esvaziadas. E assim passavam as horas, contando histórias e anedotas, levantando brindes à vitória que sabiam estar tão longe quanto perto de Moscou estavam os alemães. Nas palavras de Churchill: ”Bebemos uma multiplicidade de vinhos excelentes. Motolov assumiu seus ares mais afáveis e Stalin, para animar a situação, caçoou dele implacavelmente”.
O encontro terminou às 2h30m da manhã, com as despedidas de Stalin, que foi ler os telegramas que chegavam do front; a situação estava ruim, mesmo. Churchill voltou à Residência Estatal nº 7, ainda encontrou forças para ouvir as queixas de um impaciente general polonês que o esperava, e não teve tempo para dormir. Quando chegou ao aeroporto, às 5h, sua cabeça estalava. E lá encontrou, para as despedidas, um cambaleante Motolov.
- Você achou que eu não viria? – perguntou o russo, estremunhado.
Churchill agradeceu a gentileza do ministro do Exterior soviético e embarcou, sem fazer idéia de onde Motolov arranjaria forças para passar aquele dia. Quanto a ele, confessou: dormiu durante toda a viagem.
Mesmo na hipótese improvável de Stalin conseguir de Churchill embriagado o compromisso de invadir a França, dificilmente Roosevelt embarcaria nessa canoa. E por falar em Roosevelt: mesmo doente, o presidente americano jamais dispensou dois ou três martínis antes do jantar. Não era uma esponja do calibre de Churchill ou de Stalin, mas também entornava bem. O Times, os tablóides londrinos ou o The New York Times jamais informaram aos seus leitores londrinos que a guerra contra os nazistas era conduzida por três líderes que bebiam todas.
E que no final venceram Adolf Hitler, um ditador sanguinário e… abstêmio.



Fontes = Jornal do Brasil (Rio de Janeiro – RJ) 26/05/2004. In Academia Brasileira de Letras.

21 maio 2011

EDIÇÃO N. 42

                      O quê há para ler


Comportamento 

Preconceito descortina país pouco cordial - Marcelo Semer
Era só o que faltava - Flávio Aguiar


Debate Aberto

Quem gera emprego no campo é a agricultura familiar - Valmir Assunção
Mídia democrática e limites da internet - Jaime Sautchuk

Economia

Preferência revelada - Delfim Netto

Nosso Mundo

"Para que haja paz Israel precisa reconhecer dor palestina" - Gideon Levy
Cresce a Revolução dos Indignados - Armando G. Tejeda
"Não vale a pena rejubilar-se..." - Uri Avnery

Brasil

O escândalo Palocci e as miçangas - Maria Inês Nassif
Maierovitch: "Blindagem em torno de Palocci cheira a prevaricação das
autoridades." - Matheus Pichonelli
Não existe apenas uma língua - Maurício Dias

A opinião de Mino Carta

O poder, quando corrompe - Mino Carta


            OBSERVAÇÕES

 Na seção Comportamento, é abordada a  praga do preconceito, que está ganhando espaço
na sociedade brasileira, e os exemplos recentes são: homofobia em razão do STF ter
assegurado a união de pessoas do mesmo sexo, e o caso da estação do metrô em São
Paulo.

Na seção Nosso Mundo, os artigos postados falam do eterno dilema no Oriente Médio:
Israel x Palestina; a morte de bin Laden e os seus efeitos sobre o mundo muçulmano 
(notem que esses artigos são de autoria de jornalistas israelenses), e o terceiro
artigo fala dos problemas econômicos da Europa, no caso a Espanha é o foco das
atenções do articulista. Mas, o problema é comum a outros países europeus.

Na seção Brasil, o destaque é o enriquecimento de Palocci. Apesar da gravidade da
questão, que merece toda a atenção, vemos, mais uma vez, como se comporta nossa
famosa mídia nativa, tendenciosa e preocupada mais em escandalizar do que qualquer
outra coisa. Tem, também, Maurício Dias falando a polêmica envolvendo o livro de
Helosia Ramos, "Por uma vida melhor", adotado pelo Ministério da Educação, que
entre outras coisas, envolve até preconceito.

Na opinião de Mino Carta, temos o poder político como agente corruptor, onde, em
poucas linhas, ele vai da Itália de Berlusconi até o nosso Brasil.

Boa leitura!




                     H U M O R




       



Al Jacira

Do meu grande amigo Cláudio Paiva, que não tem blog, site, Facebook nem Twitter mas existe...



Fonte: adao.blog.uol.com.br

A OPINIÃO DE MINO CARTA

O poder, quando corrompe




Silvio Berlusconi já não vive dias tão felizes. As eleições administrativas realizadas na Itália entre os dias 15 e 16 não favoreceram o seu partido ousadamente chamado Povo da Liberdade.

Praças importantes ficam nas mãos de prefeitos de centro-esquerda e a maior surpresa vem de Milão, a cidade do premier, onde a sua candidata, Letizia Moratti, em busca de reeleição, sai para o segundo turno em desvantagem em relação ao seu adversário, Giuliano Pisapia, esquerdista convicto.

Para tão fervoroso apaixonado pelo poder como Berlusconi, intérprete da ditadura da maioria a enxergar na oposição parlamentar e na Justiça que cumpre seu papel democrático a derradeira manifestação do comunismo, votos são combustível indispensável. Desta vez a colheita encolheu bastante ao registrar derrotas que pareciam impossíveis, de sorte a justificar quem fala de novo na antecipação das eleições políticas.

Berlusconi empenhou-se a fundo na campanha, mas sua retórica, mesmo exposta por uma rede maciça de televisão, não teve o efeito habitual junto a quantos ao elegê-lo envergonharam a Itália não menos do que ele. É lógico supor que as últimas desastradas façanhas do casanova da política italiana pesaram na balança eleitoral. Berlusconi é exemplar perfeito de quem se lambuza no poder. Porta-se como um sultão e se exibe suas fraquezas não é somente por obra de uma forma de jactância infantil, mas também, e sobretudo, porque certo de que tudo a ele é permitido.

Há nuances entre um abuso de poder e outro. O caso Strauss-Kahn, ao menos segundo meus reflexivos botões, é bem diferente. Antes de mais nada, dizem eles, como figura proeminente da política e da economia, ao contrário de Berlusconi, Strauss-Kahn é competente, e muito, e cogita de interesses bem diversos daqueles buscados pelo premier italiano. Que sempre se tratou de um sedutor era sabido, mas seus últimos lances donjuanescos chegam a revelar um traço doentio. Antes de explorar as benesses do poder, ele é vítima de si mesmo, e vai pagar caro por isso.

De outra natureza ainda é o caso do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, de características tipicamente nativas, de uma sociedade do privilégio vocacionado para a predação. O ex-ministro da Fazenda milita em uma categoria que no Brasil apresenta dimensões e tonelagem excepcionais. Os botões, insistentes, me levam a recordar personagens que influenciaram a política econômica brasileira nas últimas décadas, e ficaram ricos, melhor, riquíssimos, depois de deixarem seus cargos. Estabelecidas sólidas cabeças de ponte dentro dos gabinetes governistas, venderam a peso de ouro conselhos abastecidos pela chamada inside information. O próprio Palocci incumbe-se de desfiar um rosário de nomes ilustres que o precederam neste gênero de atividade. Sustenta, impávido, a seguinte tese: se eles pecaram, por que não eu?

A despeito de comportamento tão desarmado, não faltam elementos de surpresa, a começar pelo fato de que este desabrido pessoal fala de centenas de milhões como se fossem bagatela em um país tão desigual quanto o nosso. Capaz, contudo, de incluir quatro ricaços na lista dos cem mais enquanto não há um sequer a representar vários países do chamado Primeiro Mundo. Mas Palocci é um ex-trotskista, militante de um partido que até hoje se pretende de esquerda. E não falta quem acredite…

O desfecho do presente enredo é até imprevisível, mesmo porque o instituto da impunidade continua em pleno vigor. Neste exato instante, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cesar Peluso, se empenha em busca de um caminho para agilizar a Justiça brasileira.

É esforço louvável nesta nossa terra, onde os ricos não costumam correr o risco de ir para a cadeia e onde um criminoso comum como Cesare Battisti ainda espera pelo asilo político, concedido por um Estado disposto a assinar um Tratado de Extradição com a Itália sem confiar na Justiça deste país, e até a condená-la.

Aliás, o próprio Berlusconi a ataca sem quartel. Meus botões malignamente sugerem que talvez o premier italiano tenha alguma peculiar semelhança com variados esquerdistas brasileiros.




B R A S I L

O escândalo Palocci e as miçangas

 
Por Maria Inês Nassif



Até o momento, mesmo com todos os revezes de sua vida pública, a imagem de Antonio Palocci, titular da Casa Civil, que emerge das denúncias de que teria aumentado o seu patrimônio pessoal em 20 vezes de 2006 a 2010, está longe de ser a de um ministro enfraquecido. É o retrato de corpo inteiro de um político muito forte. Palocci não tem poder apenas porque isso foi conferido a ele pela presidente da República, Dilma Rousseff, mas pela capacidade de se investir do papel de fiador de governos petistas, principalmente junto ao mercado. No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foi o fiador de um candidato eleito considerado pelo mercado como um incendiário; no governo Dilma, de uma presidente com um passado revolucionário que carregava a tiracolo um ministro da Fazenda, Guido Mantega, nada ortodoxo, e optou por tirar do Banco Central outro “fiador” do mercado, Henrique Meirelles.

No governo Lula, Palocci não caiu porque se viu envolvido em denúncias. Enquanto eram apenas elas, foi suficientemente poupado pelo mercado, pelos jornais e também pela oposição. Caiu devido a um excesso seu, depois de já ter retomado o controle sobre seu destino no Congresso. Depois de sair-se muito bem em uma ida ao Legislativo para prestar esclarecimentos, sua assessoria divulgou o sigilo bancário de um caseiro, a testemunha do caso. Se esse excesso não tivesse acontecido, é provável que tivesse continuado no governo, inclusive fortalecido, numa conjuntura em que o presidente estava frágil e o PT sob fogo cruzado.

Seria, pelo menos naquele momento, um ministro forte sustentando um presidente fraco. Palocci não voltou para o governo antes de ter sido absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mas, já nessa condição e ainda na campanha eleitoral de Dilma, colocou-se – e foi colocado – novamente como o grande interlocutor do partido junto ao poder econômico. A manutenção de Guido Mantega na pasta da Fazenda foi um aceno, para o partido, de que a presidenta não abandonaria a opção desenvolvimentista representada pelo titular da pasta. A escolha de Palocci como “gerente”, todavia, deu a ele o espaço de articulador e mediador junto a setores empresariais e financeiros.

Palocci ocupou todos os espaços de poder conferidos à Casa Civil: não há um assunto de governo, hoje, que não seja acompanhado pelo ministro. Não interessa para esses setores, que têm uma forte ascendência também sobre os partidos de oposição, que se mude a relação de poder dentro de um governo cujos espaços divide com a esquerda, ou que desapareça do cenário um político pragmático, que tem bom trânsito a empresários e a partidos mais conservadores da base aliada, além de uma certa simpatia da oposição. Se cair, será por seus excessos, não pelo zelo da oposição em defenestrá-lo.

O primeiro excesso já ocorreu. Em sua defesa, partiu para o ataque. Sua nota, em que nomeia ex-ministros que ficaram ricos depois que saíram do governo, é uma saída à La caseiro: uma aposta de que tem apoio de quem interessa do lado de fora do governo, e de quem consegue fazer isso prevalecer dentro do Congresso e do próprio núcleo de poder; a certeza de que a intimidação pode levar adversários ao corner. Como grande gerente da máquina de governo, conseguiu, por exemplo, traduzir isso em votos na Câmara para evitar sua convocação para prestar esclarecimentos. Confiante em sua própria capacidade de reverter uma situação contrária, apela com naturalidade ao discurso de que se todos fazem – ganham dinheiro depois que saem do governo –, ele também tem esse direito.

É uma situação que pouco contribui para a discussão de sistema político do país. Um debate de reforma política que abrir mão de entender por que é tão normal ex-dirigentes governamentais da área econômica acumularem fortunas depois que saem de cargos públicos será uma discussão sobre miçangas. O que é hoje, segundo o ministro, um padrão normal de relações, onde fatalmente um homem forte de governo se torna rico quando volta para a planície, é também um elemento importantíssimo de análise das causas da corrupção no Brasil. O discurso oficial, assumido pelos jornais e pela opinião pública, é o de que a classe política é intrinsicamente corrupta: faz parte da sua natureza ruim o político tirar proveito de seu mandato. O problema é bem mais amplo. Na verdade, num sistema onde transitam grandes vantagens privadas, a corrupção é um negócio que interessa tanto ao corruptor, como ao corrupto. Para os setores que têm interesses econômicos no governo, é uma situação muito mais cômoda arcar com os ônus de financiar campanhas políticas e contratar consultorias de quem tem informações de governo do que defender, por exemplo, o financiamento público de campanha. Num sistema político que é movido a dinheiro privado, esses recursos não apenas financiam partidos, mas escolhem nas agremiações quem vai representá-lo. O financiamento privado é uma terceirização da atividade partidária. O dinheiro mantém nos partidos homens fortes, cujos erros são relativizados, e todo o sistema político na defensiva, ao jogar para os representantes eleitos a responsabilidade exclusiva das mazelas morais da democracia.




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Maierovitch: “Blindagem em torno de Palocci cheira a prevaricação das autoridades”


Ao tomar conhecimento de que o homem-forte do governo Dilma havia aumentado em quase 20 vezes seu patrimônio pessoal enquanto exerceu o mandato de deputado federal, graças ao desempenho de uma empresa de consultoria, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tinha o dever de instaurar procedimento apuratório criminal para investigar eventuais ilícitos penais do ministro Antonio Palocci Filho. Ao dizer que não existiam elementos a justificar a atuação do Ministério Público, o procurador-geral partiu para o “escapismo”.

A análise é do jurista e desembargador aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch, colunista de CartaCapital. Segundo ele, “já passou da hora” de Gurgel começar a tomar providências.  A revelação sobre a empresa de consultoria Projeto leva à suspeita de que o então deputado poderia ter mantido uma espécie de “dupla personalidade jurídica”, uma como pessoa física e outra como jurídica, a segunda a se confundir com a primeira.

Palocci, em pleno mandato parlamentar, era dono de 99% das ações da empresa, cujas atividades possibilitaram que ele comprasse imóveis no valor de 7,5 milhões de reais – muito superior ao salário que recebia como deputado federal e a suplantar, gigantescamente, o declarado à Justiça Eleitoral em 2006, quando elegeu-se deputado federal (375 mil reais).

“Havia um dever imediato de se apurar, pelo princípio constitucional da transparência. O princípio da transparência é um dos alicerces que sustenta o Estado democrático de direito. A constituição de uma pessoa jurídica, daí a necessidade de apuração, pode ter sido para driblar proibições constitucionais previstas no artigo 55 da Constituição”.

“Cheira a prevaricação”

Se a notícia, em si, já configurava elementos para apurações, a revelação de que a empresa faturou, somente em 2010, cerca de 20 milhões de reais deixou a situação ainda mais delicada, segundo o especialista. “Agora cheira a prevaricação”, diz Maierovitch. Pelo Código Penal, a prevaricação acontece quando um agente público retarda ou deixa de praticar um ato de ofício por interesse ou sentimento pessoal.

Maierovitch lembra que apenas o procurador-geral, que é nomeado pelo presidente da República e cujo mandato pode ser prorrogado, tem a atribuição de investigar um ministro – que, por sua vez, só pode ser processado no Supremo Tribunal Federal.

“A empresa do Palocci é a segunda maior da área, com reduzido número de empregados. Se isso não é indício para se abrir uma investigação, o procurador sofre de miopia”, diz Maierovitch. O especialista diz acreditar também que a conduta das autoridades em torno das suspeitas poderia ser outra caso a questão envolvesse outro ministro. “Espero que o procurador Geral não tenha se pautado por interesse que não seja o público. Entendo, por tudo que já foi revelado pela imprensa, que  pode ter ocorrido ilícito penal. E na dúvida aplica-se o princípio in dubio pro societatis (na dúvida investiga-se, pelo interesse da sociedade). Acho que existem indicativos com lastro e consistência para se instaurar um procedimento e isso é de uma clareza solar. Ele não pode dizer, como disse, que ainda não tem elementos na área criminal, se recusa-se a verificar por meio de um devido procedimento. Esse caso não é apenas de  um eventual problema ético, sobre descumprimento de dever de um ex-parlamentar”.

Segundo Maierovitch, todos os que hoje tentam blindar Palocci  podem estar prevaricando. Mais ainda, atentam ao princípio da transparência, um “principio basilar do Estado democrático de Direito”. Ainda segundo o jurista, é descabido o argumento de Palocci e das empresas que o contrataram de que a revelação dos nomes de seus clientes poderia ferir cláusula dos contratos que previam sigilo da atividade. “Quem contrata essa empresa está contratando o Palocci, e sabe que, nesse caso, não pode alegar sigilo. Nem sigilo bancário é absoluto.” Com a apuração pode-se concluir pela absoluta correção de Palocci ou por ilicitudes e até tráfico de influências. E todo homem público tem de ser investigado quando surgem suspeitas. Não existem pessoas acima de qualquer suspeita.”



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Não existe apenas uma língua


O fogo pesado disparado contra o livro Por Uma Vida Melhor, de Heloisa Ramos, distribuído pelo Ministério da Educação para a rede pública, faz parte do arsenal da reação conservadora a políticas, apenas ligeiramente progressistas, adotadas nos dois governos Lula e, agora, no governo Dilma Rousseff.

Nesse sentido, é possível seguir o rastro deixado pela oposição e pela mídia, unidos em fina sintonia, por exemplo, contra o Programa Bolsa Família e, também, contra a política externa sem alinhamento automático com os Estados Unidos.

Soma-se a esses ataques outro ingrediente. O forte e enraizado preconceito.

“Língua é ferramenta e sua função primária é propiciar uma comunicação inteligível. Ela é normatizada ao longo do tempo na forma como é falada. Assim é criado o padrão escrito. O passo seguinte é a aceitação de um modelo estético e passa a ser elegante escrever, e também falar, na variante oficialmente reconhecida”, observa o advogado e linguista Ricardo Salles autor, entre outros, do livro Legado de Babel (Ed. Livro Técnico), prefaciado por Antonio Houaiss.

Salles põe o dedo na ferida: “Isso dá, em primeiro lugar, distinção social e, como um subproduto terrível, o preconceito contra aqueles que não falam da mesma maneira”.

Alvejado de variadas maneiras, por variadas intenções e por variados calibres, o livro, quatro volumes de 107 páginas cada um, não ensina nem enaltece erros de português. Mas essa versão, para quem ataca, é melhor do que o fato. O trabalho fornece apenas alguns exemplos da língua popular (quadro).

Toda a polêmica está criada a partir de 30 linhas de apresentação, nas quais a autora orienta o estudante que “não há um único jeito de falar e escrever”. Há variantes que podem ser de origem social. Ela explica:
“As classes sociais menos escolarizadas usam uma variante da língua diferente da usada pelas classes sociais que têm mais escolarização. Por uma questão de prestígio – vale lembrar que a língua é um instrumento de poder –, essa segunda variante é chamada de variedade culta ou norma culta, enquanto a primeira é denominada variedade popular ou norma popular”.

Por esse motivo, aliás, Heloisa Ramos não fala em “erro” e “acerto”. Ela usa “adequação” e “inadequação”, e ainda alerta: “…quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta”.
Salles lembra que formas como “eles vai” e equivalentes já são aceitas em certas línguas europeias, como o finlandês, país do Primeiríssimo Mundo.

Nesse caso específico Ricardo Salles diz que a razão é simples: “Durante muito tempo, a Finlândia fez parte da Suécia e tudo o que era importante se exprimia em sueco e não em finlandês.

A língua finlandesa (idioma uraliano, que não tem qualquer parentesco conhecido com o português) ficou, portanto, relegada a um segundo plano e evoluiu com os falantes com toda naturalidade e, tal como ocorre em outros idiomas, inclusive em português, houve equalização da conjugação verbal pela terceira pessoa do singular”.

Em tempo, o colunista oferece um exemplo banal: quando usamos “você” lançamos mão do que já foi palavra popular variante da língua culta Vossa Mercê.

 


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